A Cidade dos Loucos

Jimmy tinha apenas oito anos, mas parecia que nove já haviam se passado desde que começou a planejar o assassinato de seu cachorrinho, Sparky.

Pegou a faca da cozinha no momento exato que sua mãe não estava olhando, correu para o local onde Sparky gostava de se esconder, mas, quando levantou o objeto pontiagudo, sentiu um calafrio. Aquilo não estava certo! Não podia matar seu amigo!

Largou a faca, cuja lâmina não foi rápida o suficiente para chegar ao chão antes das lágrimas de remorso do garoto. Este, por sua vez, correu para se aninhar na Mãe que, sem entender nada, perguntava assustada sobre o que estava acontecendo.

- Mãe! - Soluçava - Eu quase matei o Sparky! - Seu desespero era notável - Mas eu queria tanto matar ele! - Sua mãos tremiam tanto quanto a boca - Mas eu não queria que ele morresse!

Dona Célia sabia exatamente o que estava acontecendo. Como ela temeu este dia!

- Eu estou louco, Mãe? - Olhou diretamente nos olhos da matriarca.

- Claro que não, Jimmy! - Uma lágrima quase escorreu de seu olho também - Vai limpar esse rosto! Tenho que te mostrar uma coisa que vai te acalmar.

- Mas, Mãe!

- Jimmy... Confia na Mãe...

E assim o fez. Ainda chocado e mal conseguindo suportar sua própria existência, o pequeno psicopata subiu as escadas e lavou o rosto. Quando pronto, sua mãe o colocou no carro e juntos foram até a prefeitura.

"Estranho. A prefeitura deveria estar fechada hoje." Pensou.

Chegando lá, Dona Célia conduziu o rapazinho até uma sala escura onde estavam o prefeito Tom, o açogueiro José e o escritor Scott, todos sentados em poltronas aparentemente bem confortáveis, sobrando um lugar para Jimmy e sua mãe.

A sala só era escura porque as cortinas avermelhadas estavam fechadas. Apenas alguns feiches de luzes tornavam a visão minimamente clara.

Assim que cumprimentou a todos e se sentou sem entender nada, Jimmy recebeu a melhor notícia que poderia receber na vida.

- Sabe, garoto... - Começou o Prefeito - É perfeitamente normal isso que você está sentindo agora. Nós não só sabíamos que este dia iria chegar, como também possuímos essa mesma sensação...

"Há muitos anos, as Nações Unidas desenvolveram uma máquina que detectava possíveis distúrbios de personalidade que poderiam, digamos assim, gerar essa vontade de matar. Após essa descoberta, as pessoas com mais de doze anos que não passavam no teste eram isoladas em cidades feitas apenas para suportá-las.

" Acontece que não valia a pena, para as Nações Unidas, fazer o teste nos filhos dessas pessoas que eles mesmo taxaram como 'loucos', uma vez que acreditavam que esses distúrbios eram hereditários. Então fomos abandonados aqui.

"Ao contrário do que se esperava, nós sobrevivemos em mais paz e harmonia do que qualquer cidade jamais sobreviveu. Aqueles que não conseguiram se controlar, por estarem completamente insanos, foram contidos e hoje recebem tratamento especial na clínica de reabilitação.

" E o resto de nós? Estamos todos aqui! Vivendo mais civilizadamente do que qualquer outra sociedade! Tudo bem, cada um tem suas vontades diferentes, José tem paixão por sangue, Scott gosta de coisas mortas, eu gosto de violência, mas nenhum de nós nunca infligiu a lei sequer uma vez.

"Veja bem, querem que acreditemos que somos todos loucos, mas a loucura talvez esteja na falta de contenção! Eu não preciso ser violento pra me sentir bem, José não precisa machucar ninguém, Scott não vive no cemitério, entende? Nós temos outra coisa..."

E com uma das mãos, puxou a maior cortina, possibilitando a entrada da luz com maestria. Naquele momento, Jimmy pode enxergar dezenas de quadros, discos e outros tipos de obras artísticas.

- Eu sou um ótimo boxeador! - Prosseguiu - José é um ótimo açougueiro! Scott é um ótimo escritor! Não precisamos incomodar ninguém pra fazermos aquilo que nós dá prazer! Sem mencionar essas belezuras que você está vendo ao seu redor.

"Além do trabalho e do esporte, existem inúmeras formas artísticas de se expressar! Seja na música, na pintura ou quem sabe até na dança? Eu não vejo nenhuma loucura nisso, você vê?

" O verdadeiro louco é aquele que, mesmo enxergando as possibilidades, não sabe optar por aquela que é melhor. É uma tremenda ignorância acreditar que simples vontades fortes significam loucura. Muitas vezes a pessoa acha que está louca, mas apenas não soube explorar melhor suas vontades! Isso também é ignorância! E, se for assim, então eles também são loucos!"

Jimmy ficou um pouco confuso, mas parecia estar entendo algo.

- Meu filho... - Disse a Mãe - Até eu já tive essas vontades!

- Sério?!

- Todos nós, Jimmy! - Interferiu José - Temos sorte de termos nos unido e pensado como pessoas civilizadas! Isso que eles chamam de loucura... Eles só fazem assim porque não entendem o quão bonito isto pode ser!

- A vida nos deu esse pequeno dom... - Finalmente Scott - Iremos apreciá-lo da melhor forma! O problema não é ter pensamentos que parecem ruim, muito menos associá-los a nós! O problema é se eles forem executados de forma maléfica!

- Você e seu linguajar sofisticado, Scott! Vai acabar confundindo o garoto!

- Não, senhor Prefeito, eu entendi! Acho que já sei o que fazer! Às vezes tratar e cuidar daquilo que é perigoso pode ser melhor do que evitá-lo de todas as formas! O problema não vai embora, nem se resolve! Mas fica lá, escondido, esperando ficar mais forte pra se revelar!

- Meu deus, Dona Célia! Seu filho é um gênio! - Disse sorrindo o Prefeito.

E naquele dia surgiu um grande escultor e um gênio na Cidade Insana de número vinte e sete. Um garoto de apenas oito anos que adora filmes de terror, orquestras sinfônicas, bonecos de ação e a morte brutal de outros seres.

Enquanto isso, pessoas das cidades comuns guardam segredos umas das outras, repugnando a si mesmas e firmando ainda mais fortemente um compromisso com a insanidade.