CHUMBO GROSSO

Como um animal acuado, Aninha se escondia no pequeno túnel, ou melhor, num buraco debaixo do prédio antigo, o coração, batia acelerado; ouvia lá fora, as vozes irritadas dos seus perseguidores e o latido nervoso dos cães.

- Ela tem de estar por aqui, não pode ter evaporado... Vamos, cambada de molengas, achem logo esta vaca. – Aninha se encolheu ainda mais, sabia ser uma questão de tempo, logo a achariam, pensou. Prendeu a respiração, o corpo todo doía, as pernas começavam a ficar dormentes, não sabia por quanto tempo, agüentaria a tensão... Fechou os olhos e rezou como quando em criança, tinha medo do escuro.

Sabia que estava agindo certo, por que as pessoas não percebiam o que estava acontecendo? Até dias atrás ela era vista como modelo de bondade e era o orgulho da família e da comunidade. Agora tudo mudara, era vista como pessoa indigna, um perigo, para os que tinham contato com ela e seus amigos. O coração se apertou ainda mais...

Gostava do seu povo, era assim que os chamava, tinha tantos planos para por em prática e outros que já estavam em andamento, no entanto tudo desmoronara.... As escolinhas foram fechadas, a biblioteca, que aos poucos estava sendo montada, foi totalmente destruída; o grêmio onde as crianças desenvolviam seus talentos e se divertiam, fechara... Isto só pode ser um pesadelo, ela logo acordaria... Não, não podia se enganar era tudo real, tinha que tentar ganhar tempo, para achar uma saída. Precisava agüentar até a noite e sair à procura de ajuda, se esconder no interior, em casa de parentes ou na igreja, pois soubera que alguns padres estavam ajudando aos estudantes e professores, perseguidos, pelo regime que se instalara no governo, pelo menos, até a poeira baixar... Ainda não conseguia entender como tudo acontecera; fora tudo muito rápido. Denunciados, como subiversivos, não se sabem por quem, o inferno então começou.

A sorte, se é que podia se chamar de sorte, é que fora avisada, de madrugada, pelo maestro da igreja, que era engajado no movimento estudantil e soubera do pedido de prisão, pelo sobrinho, ex seminarista, que servia no quartel e ouvira a ordem que fora dada, pelo atual comandante. Outros, porém não conseguiram ser avisados e foram presos, enquanto dormiam, em suas casas.

Há dois dias, ela estava se escondendo da policia e hoje resolvera passar em casa para pegar roupas e algum dinheiro com o pai. Porém quando se aproximava viu de longe seu companheiro ser perseguido por policiais e voltou, porém foi vista por um deles... Correra muito e se metera naquele buraco, que conhecia de suas brincadeiras de criança, parece que era um abrigo feito pelos moradores, durante a segunda guerra mundial, e que felizmente para eles, nunca fora utilizado, agora fora a sua salvação...

Estava com medo pelo que poderia ter acontecido com George... O conhecera na faculdade, ele estava terminando, o curso de História e ela iniciando o de Sociologia, logo se entenderam e poderia dizer que ele fora o seu mentor, não que ela não fosse trilhar os mesmos caminhos, mas ele a apressara, lhe mostrara atalhos, que facilitara seus projetos sociais. Além do amor que os unia existia também a cumplicidade daqueles que são iguais, apesar das pequenas diferenças... Só não entendia por que ele sempre tão cauteloso fora a um lugar, que provavelmente, estaria sendo vigiado. Tentou mudar de posição, perdera a noção das horas, deveria ser noite agora e já há algum tempo não ouvia as vozes lá fora. Resolveu arriscar...

Não sabe dizer de onde eles surgiram, tentou fugir, mas braços fortes a agarraram e prenderam suas mãos as costas... – Pegamos a cadela. - Gritou o homem, outros se chegaram e se divertiam enquanto ela tentava se soltar. Deram-lhe uma bofetada. Urrou de dor, não pela bofetada, mas pelo que ouviu: - É a mulher do tal George, que acabamos de matar... - E o que vamos fazer com ela?- Deixá-la apodrecer na prisão, é filha de bacana...

Jacy Ferino

Rio, 15/05/2007