PARÁBOLA DO DUELO MORTAL EM TERRA HOSTIL

Abri a janela do quarto de hotel onde estava hospedado e vi o sol que banhava a manhã. Na rua, lá embaixo, um mar de automóveis e de pessoas. Pessoas que andavam em todas as direções. Pessoas que não se conheciam, que não se olhavam, que não se abraçavam, que não se tocavam. Todas carregavam uma faca na cintura. Facas cortam.

O lugar onde eu morava, quando jovem, entre os treze e dezoito anos era pequeno, um lado esquecido na grande metrópole, tinha poucas ruas e casas com chaminés. Todas as tardes o mustang azul atravessava a ponte de madeira sobre o riacho de água pura e cristalina, onde meu irmão matava sua sede, onde meu irmão saciava nossa sede com sua música. Depois de atravessar a ponte, cortava a estrada levantando poeira, dobrava à esquerda e parava em frente ao bar “Cantina”, onde eu e alguns amigos passávamos as tardes bebendo conhaque, na rua que ficava à sombra do vulcão que habitava a montanha dos Abetos ermos.

O piloto do mustang descia do carro, sentava no banco de madeira e nos contava histórias, aventuras, suas idas e vindas pela terra das nuvens, antes nunca desbravadas. Para nós que ainda éramos tão jovens, apesar dos conhaques, ele era como o corredor X. Ele era o herói da nossa contra cultura, da nossa luta pela sobrevivência em terra hostil. Ele nos ensinou a gostar dos filmes de Kung Fu. Eu me sentia feliz quando ia ao único cinema do lugar assistir filmes de Kung Fu. Eu preferia os do Bruce Lee e os do Wang Yu. Eu saia do cinema me sentindo o paladino do oeste, o deus do kung fu, O Cisco Kid, o delegado Matt Dillon, o Cartwright, o Clint Eastwood, o herói que acabava com as injustiças sociais e trazia esperança e felicidade para meus irmãos.

Eu queria ser livre como o mustang azul. Ir às passeatas contras as guerras, queimar as bandeiras do preconceito e do poder que nos sufocava. Eu era um subversivo. Um subversivo que queria ir para o paraíso, mas não ia à igreja. Um subversivo que lia a Bíblia todos os dias, mas fumava e bebia todas. Um subversivo que não pegava em armas e não queria nem saber de política. Um subversivo que sonhava, talvez como Peter Fonda e Dennis Hopper em “Sem Destino” ou quem sabe como Woody Allen em “Sonhos de um Sedutor”, querendo aprender com Humphrey Bogart como conquistar sua Ingrid Bergman ou sua Lauren Bacall.

Naquela manhã, fechei a janela e pensei naquela terra que ficou distante, que se perdeu entre as doses de conhaque e as corridas de carros aos domingos pela manhã. Desci ao hall do hotel, folheei o jornal e fui ao bar para o café. O barman se aproximou do balcão e fiz o pedido:

- Dois bifes, duas fatias de pão, duas fatias de bacon, dois ovos e linguiça suína.

- Algo para acompanhar senhor?

- Uma caneca de café com rum e enquanto espero um whisky cowboy duplo.

Enquanto saboreava o whisky não percebi o homem que encostou ao meu lado. Ele estava bem barbeado, usava camisa cinza, terno preto e gravata preta. Um pouco distante, mas certamente junto com ele estavam dois homens, também barbeados. Os dois usavam camisa branca, terno preto e gravata preta.

- Está na hora de ir. – Disse o homem.

- Está falando comigo senhor? – Perguntei a ele.

- Estou. Você sabe que tem que ir.

- Sei, mas não sabia quando, nunca me disseram.

- Agora. Você vem ou chamo meus amigos para lhe ajudar?

- Eu nem tomei meu café da manhã ainda.

- O problema não é meu, você teve todo tempo do mundo.

- Posso terminar meu whisky?

- Pode, mas de uma só vez e venha.

Engoli o whisky, me ajeitei um pouco e disse:

- Vamos, não há mais nada o que fazer.

- Não há.

Arnoldo Pimentel