pequenas imperfeições que tornavam o relacionamento interessante

Arnaldo era pernambucano e trabalhava como personal trainer em uma academia. Tinha 1,80 de altura, era musculoso e usava óculos. Tentava ser fisiculturista profissional há alguns anos e dizia sempre a namorada: “Meu sonho é ir ao Rio de Janeiro e participar do evento de fisiculturismo Arnold Classic Brasil”. Ana Júlia, sua namorada, não praticava musculação. Aliás, Ana não praticava esporte algum, além de “levantamento de garfo”, como Arnaldo gostava de brincar. Estava acima do peso e só queria saber de comer em restaurantes e lanchonetes.

Constantemente Ana e Arnaldo discutiam. “Você só quer saber de comer!”, ele dizia. “Você só quer saber de malhar e não me dá atenção!”, ela dizia. “Você sabe que eu estou de dieta e me chama todos os dias para comer fritas e hambúrguer!”, ele dizia. “Não conversamos há séculos! Tudo o que te importa é seu sonho de ser um fisiculturista!”, ela dizia. “Eu tenho a oportunidade de ser o maior fisiculturista de todos os tempos, como Arnold Schwarzenegger e tudo o que eu queria era seu apoio! O que adianta eu ter do meu lado uma mulher que não me apoia?”, ele dizia.

“Quer saber? Desisto! Está tudo terminado!”, Ana Júlia explodiu em fúria. Foi até o armário e pegou suas roupas e diversos pares de sapatos. “Depois volto pra buscar o resto!”. Abriu todos os potes de suplemento de Arnaldo e jogou ao chão. “Olha o que eu faço com suas preciosidades!” Arnaldo correu na direção de Ana e lhe deu uma tapa na cara. “Sua vagabunda! Isso era Whey Protein! Você sabe o quanto isto é caro? Eu estou em uma fase de ganho muscular intensa! Eu precisava daquilo!”

A agressão foi a gota d’água para Ana. “Adeus, Arnaldo.” Ele viu sua namorada saindo apressadamente pela porta e descendo as escadas com as malas na mão. Disse bem baixinho, com os lábios entreabertos: “Adeus, Ana”.

Os primeiros dias sem Ana Júlia foram complicados. Arnaldo faltava os treinos na academia e não se alimentava direito. À noite, tinha dificuldades para dormir. Após algumas semanas de consternação, resolveu se reerguer e esquecer os problemas. Foi ao Shopping Guararapes e entrou em uma loja de suplementos para musculação. Uma mulher muito bonita, com músculos salientes e voz grave lhe atendeu. Tinha um olhar fascinante e sorriu para Arnaldo. Arnaldo retribuiu o sorriso de orelha a orelha.

- Quero comprar Whey Protein, BCAA, Albumina e Caseína – disse à vendedora.

- Vou lhe mostrar tudo, venha comigo – ela disse.

Quando estava pagando, perguntou seu nome.

- Me desculpe perguntar, mas... Qual é o seu nome?

- Meu nome é Franciele.

Conversaram animadamente por um longo tempo. Arnaldo estava maravilhado.

- Nossa, vejo que você leva a musculação e a dieta a sério. É muito legal ver mulheres que cuidam do corpo e da saúde. Quanta grama de proteína ingere por dia?

- Há, há, há, obrigado, digo o mesmo a você. Estou em um treinamento especial com pouca ingestão de gorduras, ingiro até 120 gramas de proteína ao dia. Quero ir ao Rio de Janeiro ano que vem, para participar de um evento.

Os olhos de Arnaldo faiscaram.

- É sério? O “Arnold Classic Brasil”? Como conseguiu?

- Vamos dizer que conheço alguém, que conhece alguém, que conhece alguém. Se quiser, posso conversar com um deles e te conseguir uma vaga para participar.

- Seria meu sonho.

Arnaldo voltou mais alguns dias naquela loja e após uma semana chamou Franciele para sair. Foram ao cinema assistir um filme e pediram água, pipoca sem sal e chocolate sem açúcar na lanchonete. Depois do cinema, foram a um restaurante e comeram salada e peito de frango grelhado, sem gordura e sem sal. Arnaldo se sentia ótimo. Era bom demais estar com uma mulher que tinha as mesmas aspirações, os mesmos conceitos, e a mesma alimentação que ele. Malhavam todos os dias juntos e pela manhã corriam na Praia de Boa Viagem, na areia.

Um mês depois estavam namorando firmemente e no ano seguinte foram juntos ao Rio de Janeiro participar do evento “Arnold Classic Brasil”. Arnaldo treinou intensamente por meio ano e utilizou diversos esteroides anabolizantes. Alguns meses antes do evento, entrou em uma fase de definição muscular. Começou a consumir alimentos de baixo índice glicêmico e muitas proteínas. Perdeu toda gordura acumulada na fase de crescimento e ficou extremamente definido. Ganhou a competição. Sua namorada Franciele, para sua infelicidade, ficou em segundo lugar na competição feminina.

Foi quando voltou a Pernambuco, que os problemas de Arnaldo começaram. Arnaldo não era feliz em seu relacionamento com Franciele. Que graça tem viver em um relacionamento onde as duas pessoas tem a mesma preferência de cor, de música e de comida? Que graça tem viver em um relacionamento onde as duas pessoas tem as mesmas opiniões e as mesmas ambições? Arnaldo e Franciele praticamente concordavam em tudo. A vida era perfeita demais, a vida era insossa demais. Até na cama eles tinham problemas. Tornaram-se mais amigos do que amantes. Eram as pequenas desavenças e imperfeições que tornavam um relacionamento interessante, percebeu Arnaldo. Ele sentia falta disso. Dormia em um sofá na sala enquanto Franciele dormia no quarto. Um dia não aguentou mais e jogou as cartas na mesa:

- Franciele, precisamos conversar.

- Que bom que você disse isso, por que eu também preciso conversar com você – respondeu.

- Então, já sabe o que eu tenho a dizer, não é mesmo?

- Sim, já faz algum tempo que eu também queria lhe dizer isso. Não está dando certo. “Nós dois”.

- Sim.

- Vou pegar minhas coisas e ir embora.

Franciele pegou seus trajes no guarda-roupa, suas ampolas de esteroides e seus diversos potes de suplementos. Colocou tudo em duas malas gigantescas e estava indo embora quando Arnaldo perguntou: “Precisa de ajuda?”. “Não, obrigado”, ela respondeu, “essas malas não devem pesar nem 100 quilos juntas”.

Arnaldo se sentou em sua cama e pegou uma foto de Ana Júlia que guardava em sua cômoda. Passou seus dedos calejados na foto e a beijou. Na mesma hora ligou para Ana Julia, chorando. Arrependido. Pediu para encontrá-la. No dia seguinte estavam namorando de novo. Desde que terminaram, Ana Júlia não teve nenhum relacionamento sério com ninguém. Teve alguns casos que não tiveram futuro e só. Arnaldo se sentia bem ao lado de Ana Júlia. Não concordavam em nada. Se Arnaldo queria ir para a esquerda, Ana Beatriz queria ir para a direita. Se Arnaldo dizia que algo era pedra, Ana Júlia dizia que era madeira. Discutiam todos os dias. E faziam as pazes todos os dias. Arnaldo e Ana se amavam intensamente.

- Queria tanto ir ao Shopping comer um sorvete. É uma pena que você está de dieta – disse Ana Júlia.

- Vamos ao Shopping comprar o sorvete que você tanto quer.

- Também queria comprar um bolo para comer junto com o sorvete. Posso? – indagou desconfiada.

- Você pode comer o que quiser, meu amor. Você pode tudo.

Arnaldo comprou as guloseimas que seu amor tanto queria, e quando estava saindo do Shopping, viu Franciele, sua ex, olhando uma vitrine de roupas de grife junto com um homem. O homem era horrível. Grandes orelhas, baixinho, gordo, calvo e bigodudo. Desviou o olhar e tentou se esconder, puxando Ana Júlia pelo braço, mas foi visto. “Ei, Arnaldo, vem cá!”, disse Franciele acenando muito animada. Arnaldo se aproximou.

- Oi, Franciele, tudo bem? Há quanto tempo, né? Bom... Essa aqui é Ana Júlia, minha namorada.

- Prazer – disse Franciele cumprimentando Ana Júlia.

- Prazer – disse Ana, olhando Franciele de cima a baixo.

- Esse aqui – continuou Franciele – é Igor, meu namorado. Ficamos separados um bom tempo, mas resolvemos reatar na semana passada.

Carlos Fellipe
Enviado por Carlos Fellipe em 27/07/2014
Reeditado em 27/07/2014
Código do texto: T4898791
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