A Janela

Logo cedo o menino Luiz saía de casa às pressas para ir à escola. Não era pressa de estudar, mas o gosto que tinha pelo longo caminho. Depois de andar ou correr dez quadras Luiz desacelerava e andava bem devagarinho como se quisesse passar sem ser visto.

Lá estava ela! A bela moça na janela tocando sua flauta com olhar no horizonte. Mesmo que Luiz fizesse algum barulho ela não notaria. Seus cabelos eram longos e pretos. Seus olhos tristes pareciam jabuticabas maduras e estavam sempre brilhantes. Usava um vestido amarelo de cetim com mangas de renda.

Luiz ficava em hipnose por dez minutos marcados no relógio antes de seguir para escola. Ele não entendia porque só via aquela moça no prédio, acreditava que os outros moradores dormiam até tarde ou então ela morava sozinha.

A janela cobiçada pelo menino ficava no segundo andar. O prédio estava bem velho. Paredes descascando, sem cor, desbotada pelo sol e pelo tempo. Era bem pequeno com três andares, sendo que continha apenas dois apartamentos por andar.

Luiz não gostava de companhia para ir para escola e também não contava para ninguém sobre sua paixão pela moça da flauta. Ela era seu segredo. Ele a descobriu por acaso. Num dia, quando ele tinha 13 anos, resolveu mudar o caminho da escola para não levar uma surra de um moleque que implicava com ele. Então foi o melhor momento de sua vida. Aquela visão da moça mais bonita que já vira. E por dois anos Luiz continua a passar por ali.

A rua é estreita e com poucas moradias. Em frente morava um casal de idosos. Morava porque agora só mora o velhinho. A sua dona já partiu. Antes, os dois velhinhos ficavam escondidos a observar o garoto que admirava a moça. Agora, o velhinho não quer mais se esconder. Saiu a porta escorando na bengala de cerejeira e chamou: “Ei, garoto! Venha cá”!

Luiz assustado com o grito deu alguns passos para trás. O velho acenou chamando ele novamente. Luiz pensou: “um velhinho que mal se aguenta nas pernas não vai me fazer mal”!

O garoto aproximou-se e disse: “bom dia senhor”! O velho respondeu: “bom dia garoto! Quero fazer uma pergunta, menino. Por quê, há anos, você para em frente aquele prédio?” Luiz meio acanhado e sem entender a pergunta responde: “Ora senhor, o senhor sabe né, ou vai me dizer que também não olha?” O velho com expressão de dúvida: “Não olho o que meu filho?” E o garoto, agora vermelho de vergonha sentindo queimar as bochechas: “A moça! Gosto de ouvi-la tocando a flauta”!

O senhorzinho, agora rindo-se disse: “menino, ali morava uma moça com seu esposo. Pouco tempo de casados ele morreu num trágico acidente. Ela muito triste vivia na janela esperando por ele e tocando sua flauta como se realmente ele fosse voltar”!

Luiz saiu correndo apavorado. Nem se despediu do velho, só olhou para a janela que tanto gostava e tremeu-se todo. Não havia nada lá além de um tenebroso prédio abandonado. O segredo foi rompido e ela desapareceu.

Chegando em casa Luiz contou ao pai o acontecimento do dia. Seu pai curioso e espantado levou Luiz até o local. Pararam em frente à casa do velho e o pai de Luiz perguntou: “é aqui filho? Tem certeza?” Luiz disse: “sim pai, aqui mora o velhinho e lá a moça”! O pai abraçou o filho e disse: “preste atenção na história que vou lhe contar. Naquele prédio, há uns cinquenta anos, moravam um casal muito alegre e sua filha, uma jovem linda e amante de uma flauta. Ela apaixonou-se por um rapaz e casaram logo. Os pais dela deu o apartamento de presente para eles e mudaram-se para esta casa bem em frente. Tempos depois, o marido dela morreu num acidente e ela, muito triste, falou aos pais: ‘não quero mais viver, mas de onde eu estiver tocarei minha flauta para vocês’! Seus pais preocuparam-se com o que ouviram, mas acharam que ela iria superar a dor da perda. Ela, em seguida, foi para seu apartamento e suicidou-se. Dois meses depois, a mãe dela não suportou a saudade da filha e também partiu com um enfarte. Três anos depois foi a vez de seu pai, muito doente e solitário, deixar este mundo”.

Luiz, que a essa altura já estava sentado na calçada, gelado e pálido como papel, perguntou: “mas pai, como o senhor sabe disso tudo?” O pai: “o meu pai me contou. Seu avô morou nesta rua e foi amigo dessa família. Quando eu era jovem e ainda não namorava sua mãe, também passei muitos dias em frente a esta janela! Meu pai também me trouxe aqui para contar esta história”!

Michele Valverde
Enviado por Michele Valverde em 27/08/2014
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