Gerbera Vermelha

Assim vista de longe se confundia com a multidão de rostos, de sorrisos entorpecidos, de gargalhadas trincadas e vozes amplificadas pelos efeitos etílicos.

Não, daqui nem sequer se notavam seus olhos apreensivos, vasculhando cada mesa, buscando na rua e dentro de cada carro.

Ela nada de mais, de uma morenice desbotada, nem gorda nem magra passava sem se fazer notar.

Escolheu uma mesa discreta de canto, queria observar antes de ser observada. Ser medida, ser olhada a incomodava, porém nem precisava ter tantos dedos, em uma mesa melhor localizada continuaria sem fustigar olhares.

Pediu uma vodka nacional, ‘com gelo’ mais para se distrair com o movimento caótico dos cubos contra a parede do copo do que para arrefecer a já baixa temperatura da noite de outono.

Com um gesto estudado gira o pulso magro e consulta o relógio que pende da pulseira frouxa e escorrega até o antebraço. Mas se arrepende, não gostaria de ser flagrada revelando assim sua insegurança. Quer estar altiva quando for pescada da multidão pelos olhos negros dele.

Toma o primeiro gole e alegra-se, sempre é acometida por uma sensação se conforto no primeiro gole da noite. Ri-se sozinha, sente-se dona de si, confiante, plena e com um meneio joga os cabelos lisos para traz, sobe num vapor o cheiro da colônia: notas frutais em fundo amadeirado dançam em suas narinas.

Tamborila as unhas compridas na toalha plástica da mesa, analisa as unhas, longas, afiadas, pensa nas horas de preparo para estar agora sentada sozinha com todo este ar blasé. Sente-se uma tola, insegura, se equilibrando em uma cadeira fria de metal que range a cada cruzada de perna, e lhe belisca a coxa e lhe desfia a meia, quase que a acusando por sua estupidez de esperar alguém que não vem mais.

Levanta-se para pedir a conta, mas um braço moreno a detém, a puxa pela cintura, vira-se e vê o largo sorriso no rosto de olhos turcos. Sorri junto, ensaia um resmungo, uma queixa, que engasga diante da gérbera vermelha.

Bem mais tarde no metrô, sozinha ela leva a gérbera vermelha na mão, e faz questão de sentar de frente para a loira de escarpin e pernas torneadas. E dona de si, maneia a cabeça e lança os lisos cabelos para trás...

Maíra
Enviado por Maíra em 20/05/2007
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