O sorriso de Lívia

“Levanta, rapaz. Tem visita para você.”

Ele odiava o barulho das grades. Parecia estar à espera do abate. A qualquer hora, abririam e o mandariam para a forca. Mas isso não aconteceria repentinamente. A decisão que mudaria seu destino estava próxima, mas ele a sentia cada vez mais distante. Faltava um mês para o julgamento de um crime que não era seu. Fora preso por engano. E quem acreditaria nas verdades de um suposto assassino?

O sol preenchia todos os espaços da área externa do presídio. Pais, mães, esposas, tios, filhos, primos e amigos aguardavam o momento do encontro. Olhou, com as mãos acima das sobrancelhas, à procura de quem estaria ali para visitá-lo. Imaginara que sua mãe levaria bolo de brigadeiro com pedaços de chocolate, o seu favorito. Ou que talvez seu pai tivesse ido pedir desculpas por nunca ter acreditado em sua inocência. Seu coração se acelerava enquanto os olhos buscavam rostos conhecidos entre centenas de estranhos. “Mas não tem ninguém aqui. Por que me chamaram?”

Sentiu pequenos braços envolverem suas pernas. Respirou fundo. Reconhecera o toque de Lívia. Naquele dia, a filha comemorava seis anos de idade. Desses, dois ele passara longe. Abaixou a cabeça em direção à garota. “Meu amor, você está linda!”, e a pegou no colo. Ela usava um vestido rosa e segurava uma pequena bolsa da mesma cor. O formato do sorriso era imutável, exceto por um espaço que surgira em sua boca. “Então minha pequena está sem dentes? Vou comprar dentaduras para você.” A criança ria e abraçava o pai. Entre as palavras emboladas, ele conseguiu entender “aniversário”, “presente” e “amor”.

Augusto havia perdido a noção do tempo. Olhou ao redor para ver quem trouxera Lívia. Uma mão tocou seu ombro. Juliana sorria para ele. “Não quis incomodá-los. Acho que precisavam um do outro”, disse a esposa, que o beijou suavemente. Estavam junto há onze anos. Como prometera no altar, a mulher não o abandonou na tristeza. Mesmo que não estivessem fisicamente juntos, ela era fiel às suas palavras e ao homem que escolhera para construir uma vida. “Trouxe um bolo. Não é como o da sua mãe, mas pode adoçar ainda mais esse momento. Pedi ao guarda que nos levasse para uma sala dentro do prédio. Expliquei-lhe que é aniversário de nossa filha. Ele foi gentil e nos acompanhará.”

Os três saíram. Lívia, com a curiosidade característica, analisava as pessoas presentes. Disse aos pais que queria convidar todos para a sua festinha. A mãe riu. “Filha, assim como nós viemos visitar o papai, todos vieram ver algum parente. E eles não vão poder comemorar com você dessa vez.” A menina abaixou os olhos, com um semblante triste que, minutos depois, havia sido esquecido. O homem que os guiava parou em frente a uma porta amarelada e a abriu. “Vou ficar aqui fora para deixá-los à vontade. Confio no rapaz. Ele nunca nos deu problemas aqui”, e despediu-se, dando uma batidinha no ombro de Augusto.

A sala tinha uma grande mesa empoeirada. Juliana tirou uma pequena toalha e forrou parte da madeira. Colocou o bolo e uma vela. O refrigerante, que havia esquentado enquanto as duas esperavam Augusto, foi posicionado ao lado de três copos de plástico. Lívia observava os pais organizarem a festinha sobre a qual falou durante um mês. O primeiro pedido da menina foi passar o dia ao lado do pai. A mãe conseguiu realizar o desejo. Após terminarem a arrumação, os pais e a criança bateram palmas e cortaram o bolo.

“Pai, olha o que eu trouxe”, disse a menina, enquanto retirava da bolsa um presente, que entregou a Augusto. Ele abriu o pacote. Era um porta-retrato com uma foto da família. A última tirada antes de ele ser preso. “É para você estar comigo enquanto continuar aqui, papai. Até você voltar para a nossa casinha.” Augusto abraçou a criança, cuja inocência não permitia compreender o que acontecia ao seu redor.

“Dá licença. Rapaz, acabou o seu tempo”, chamou o guarda. Augusto se despediu da esposa e da filha. “Em breve, todos vão saber que você é inocente, querido. Estarei ao seu lado para ver esse momento”, disse Juliana enquanto abraçava o marido. Na saída, ele parou e, mais uma vez, olhou para as duas. A despedida era dolorosa.

Caminhando pelo corredor que levava à cela, o homem se lembrou do crime que não cometera. Era madrugada e ele andava por uma rua escura, paralela à principal avenida da cidade, quando ouviu um carro frear bruscamente. Dele, algo foi lançado. Com a mesma velocidade, o veículo deu a volta e desapareceu. Augusto correu e se deparou com o corpo de uma menina agonizante. Entre lágrimas e respiração descompassada, ela tentou dizer-lhe algo. Antes de concluir uma frase compreensível, morreu nos braços dele.

A morte da criança coincidiu com a chegada da polícia, que acreditou ser ele o assassino. Na tentativa de explicar que apenas caminhava por ali, apanhou dos policiais. “Vagabundo! Cretino! O que você fez com essa garota?” Ele entendia a revolta dos homens, mas queria dizer que a culpa não era sua. Que ele apenas andava pela rua quando a encontrou. E quanto mais gritos, maior a agressividade.

Ele nunca tivera a chance de explicar a sua versão sem que fosse vítima de deboches. “Ah, bandido é sempre inocente. Assassino é santo”, afirmou, em uma ocasião, o delegado. Ele também era hostilizado por seus colegas de cela. “Aceitamos tudo, parceiro, menos estuprador e matador de criança. Tome cuidado”, disse Luiz, um dos homens com quem vivera os últimos anos, passando a mão pelo pescoço. Nada adiantava. Ninguém confiava em suas palavras.

O barulho das grades tirou-o de suas lembranças. Ele agradeceu ao guarda e voltou para o tormento. Sentou-se no chão e olhou a foto que a filha lhe entregou. O julgamento se aproximava e, por um momento, ele sentiu esperança de conseguir contar a verdade e ser solto. Ajeitou-se, encostado na parede, e fechou os olhos marejados. Desejava sair dali e retomar a sua vida. Se existia paz no mundo, ele só a encontraria em liberdade.

Uma mão trouxe Augusto novamente para a realidade. “Mata uma criança e fica segurando foto de outra? Seu merda imundo.” Sem que pudesse se defender, ele foi agredido por dez presidiários. Chutes e socos misturados a palavras ofensivas eram ouvidos à distância. “Por favor, parem. Eu não fiz isso. Eu não sou isso!” Um pé atingiu a sua boca e arrancou um dente. Chorando, ele pedia piedade aos demais, que, alheios aos apelos, pareciam cada vez mais fortes.

“Olha aqui. Está vendo? Poderia ter sido a sua filha morta no lugar de outra criança”, gritava Luiz, mostrando a foto de Lívia e Juliana. Em seguida, colocou o porta-retrato no chão e agrediu Augusto. Um filete de sangue jorrava da cabeça do rapaz. De relance, ele avistou o retrato que tinha acabado de ganhar da menina. Os olhos pesados se fixaram na imagem. Seu corpo esfriou diante do sorriso da criança.

Paula Vigneron
Enviado por Paula Vigneron em 14/09/2014
Reeditado em 22/04/2015
Código do texto: T4962155
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