CHUMBO GROSSO II - GEORGE

George estava exausto, correra muito para despistar seus perseguidores e parece tinha conseguido... As roupas rasgadas e um corte feio na testa lhe dava um ar assustador. Seu corpo todo doía e um cheiro forte, de medo e suor exalava de sua pele morena. Todos os sentidos estavam atentos, o menor ruído era percebido e fazia que seus nervos se retesassem involuntariamente. Não trazia nenhuma arma, era um homem de paz.

Sua arma sempre fora a palavra. Lembrava dos seus primeiros anos da adolescência, dos sonhos, dos desejos de melhorar, sua família, seus amigos, seu povo. Estes desejos fizeram que enfrentasse a vida dura, às vezes até a fome, para estudar e vencer a ignorância que atrasara o desenvolvimento social de sua cidade. Filho de analfabetos numa família de oito irmãos conseguira se formar e ajudar os pais a educar os mais novos. Era o orgulho da família e dos irmãos. Um dia, lembrou, o irmão do meio chegara em casa, todo machucado, brigara na rua, com uns moleques, que o acusara de ser irmão de um comunista. George até rira do episódio e explicara que as pessoas confundiam sindicalistas, lideres estudantis, que não se enquadravam no esquema de corrupção, taxando-os de subversivos e coisas assim.

Demora a casar e quase não tivera namoradas vivia preocupado com os problemas do povo; escolas, moradias, saúde, tudo precisava ser modificado e ele tentava fazer a sua parte e ajudar outros jovens a tomar parte ativa nesta luta. Reunia-se com os lideres da igreja, de comunidades camponesas, enfim funcionava como porta voz das classes menos privilegiadas. Foi num desses encontros que conheceu Anna, a Aninha, como as outras pessoas a chamavam. Gostou dela logo que a viu, os cabelos, muito curtos, lhe dava, certo ar andrógino, parecia mais um garoto, sempre de jeans e camiseta, falava com os rapazes de igual pra igual, sem afetação e sem discursos feministas. Tinha um sorriso lindo e uma gargalhada sonora que o encantava. Era capaz de interromper um debate sério com uma frase espirituosa e inteligente, que trazia descontração ao ambiente mais pesado. Adorava crianças e quando se juntava a elas, parecia ser mais uma. Às vezes se perguntava como ela se apaixonara por ele? Rapaz simples, sem traquejo social era totalmente diferente dos rapazes do meio que ela nascera e vivia. Mas se apaixonaram e casaram mesmo sem a aprovação dos pais dela, que sonhavam para filha alguém do seu próprio meio. Conheciam o temperamento da filha e sabiam que não adiantava proibir, ela faria o quê queria, sempre fora, assim. Tratavam-no bem e até quiseram lhe arranjar um emprego, como administrador das fazendas da família, ele, porém, recusara o que fizera Anna, mais feliz ainda. A família dela, só não gostava, de vê-la em palanques defendendo reforma agrária, incentivando a conscientização, dos universitários dos problemas do país. – Isto ainda vai acabar mal – reclamava, seu Adelino, o pai da Anna.

Agora tudo desmoronara.

Soubera pelo pároco, que Anna ia tentar ir à casa dos pais e resolvera se antecipar a ela e quem sabe fugir juntos. Mas caíra numa armadilha não conseguira sequer chegar até a porta, estava sendo caçado... Seu, rosto estava em todos os jornais, como um foragido extremamente perigoso, chegou a rir quando o padre lhe mostrou a manchete.

Com fome tentou se esgueirar até a estrada quem sabe com sorte alguém passaria de carro e o levaria para fora do Estado ou pelo menos que lhe arranjasse algo pra comer. Bebera água misturada a lama, de uma poça, de água de chuva. Há mais de 36 horas não comia nada, o estomago parecia uma cratera. Esperou anoitecer para tentar chegar à estrada.

Viu o sol espreguiçar-se entre nuvens, rosa e ouro. Longe um sabiá cantou.

Sua alma aquietou-se, pensou que a mãe deveria está rezando, pois deveria ser a hora do Ângelus, rezou também, sem palavras. Mais confiante resolveu aventurar-se, agachando-se, foi correndo em direção a estrada, corria em zig zag, escondendo-se atrás das árvores.

Eles apareceram e sem qualquer palavra começaram a atirar...George se jogou no chão, sentiu a bala perfurando e queimando sua carne segui-se outros tiros, a cabeça latejou, sentiu o sangue escorrendo pelo peito, tudo escureceu. – Matamos o safado. Puxaram o corpo para fora da estrada e o jogaram numa lera, onde se plantava batatas. Um deles tentou ouvir se o coração ainda batia. – Este já foi pra cidade de pé junto, falou. Saíram como se nada tivesse acontecido.

O sol ainda não nascera quando Juvêncio e Paulo foram para o roçado. Calados, ainda cheio de sono se embrenharam pelo mato. Precisavam abrir mais algumas leras para plantar feijão e, tinham fazer isto, antes do sol esquentar. Lá pelas oito horas pararam pra tomar um café e por entre o canto dos pássaros ouviram gemidos, se olharam assustados, levantaram nervosos e seguiram os sons fracos que o homem emitia.

- Ta aqui, é um homem e está muito ferido. Depressa vamos levar pra casa de Nanã, se ele agüentar até lá, ela é capaz de sarvá-lo.

Jacy de Natal

22/05/2007