Entre quatro paredes

- Há quanto tempo você está trancada neste quarto?

- Oito anos.

- Por vontade própria?

- Sim.

- Tem algum motivo específico?

- Não.

- Fale mais sobre você. Ou prefere que eu pergunte?

- Não fará diferença.

- O que você guarda dentro da caixa?

- Lembranças.

- Posso vê-las?

- Não. Está vazia.

- Onde estão as lembranças?

- Eu preferi apagá-las.

- Por que não as guardou?

- Por que ninguém me guardou?

- Rebater com perguntas. Não funciona comigo.

- Não era para funcionar.

- Quer falar algo? Em que posso ajudá-la?

- Em nada. Procure se ajudar.

- O que são essas frases na parede?

- Eu.

- Você?

- Meus gritos sufocados que ninguém quis ouvir.

- Você tentou dizer?

- Sempre tentei, mas não deu certo.

- Quer falar para mim?

- Você pode ler.

- Eu prefiro te ouvir.

- A leitura é sempre mais prazerosa. Acredite. Li a minha vida toda e me poupei de escutar coisas insatisfatórias.

- Ler é uma ótima opção. Ajudou você?

- Me ajudou a entender mais do que precisava e menos do que gostaria.

- Não é possível entender tudo.

- Não é possível entender nada.

- Vamos dar uma volta?

- Me dê um motivo para isso.

- Vamos observar. Você pode tirar novas conclusões sobre o mundo.

- O tempo passa e coisas mudam, mas minhas conclusões sobre o mundo serão as mesmas.

- Você levou quanto tempo para escrever nas paredes?

- Eu ainda não terminei. E não sei quando terminarei. É uma eterna construção. É a minha saída quando o silêncio me sufoca.

- Por que não experimenta conversar com sua família?

- Porque ela nunca experimentou me ouvir. Não havia tempo para isso.

- Eu posso te ouvir.

- Tarde demais, doutor. Eu não sei mais falar. Não sei empregar as palavras certas fora da minha escrita.

- Eu escuto suas confusões e ajudo você a entendê-las.

- Se eu não as entendo, lamento, mas não será você quem as entenderá.

- Posso te surpreender.

- Ah, não. Eu nem consigo me lembrar da última pessoa que conseguiu me surpreender. Desculpe desapontá-lo.

- E esses CDs? São seus?

- Meus companheiros de melancolia. Se anseio por uma voz, recorro a eles.

- Não sente falta de uma voz amiga?

- Eles são as vozes amigas das quais você fala.

- Por que caneta preta?

- Porque as palavras saem envoltas em um misto de sensações que, para mim, é escuro e impenetrável.

- Suas roupas combinam com a escuridão das paredes.

- Minhas roupas são o reflexo do meu interior.

- É frio aí dentro?

- Muito.

- Nem a luz do sol, quando passa pelo vidro, te aquece?

- Não. Estou afastada dos raios. O frio também é impenetrável.

- Não pensa em voltar ao mundo real?

- Eu estou no mundo real.

- Não. Você está fugindo dele.

- O que é o mundo real?

- É a vida que te espera ali, na saída do quarto.

- Nada me espera. E acredito que você saiba que nada te espera. Nada espera ninguém.

- Você é jovem e tem uma vida toda pela frente. Como acredita que não há esperança?

- Devido às minhas experiências. Repetitivas, vazias e cansativas.

- Mas você tem muitas coisas para viver.

- Não sei. Quem me garante, doutor?

- Pela lógica da vida.

- A vida não tem lógica. Acho que, no fundo, você sabe disso.

- Permita-se viver coisas novas.

- Seu discurso vai de encontro ao que você realmente pensa. É visível a falta de emoção quando fala. Você quer me salvar, mas sabe que, para isso, tem que se entender.

Suspiros invadiram o ambiente.

- Vá, doutor. Pegue a caneta e use a minha parede para dizer suas verdades. Para expressar o que ninguém soube ouvir.

Paula Vigneron
Enviado por Paula Vigneron em 22/09/2014
Reeditado em 23/09/2014
Código do texto: T4971954
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