Conjugado

Havia entrado em vários imóveis desde que se lançara na árdua tarefa de trocar de lar.

Já vira casas de vila com suas amendoeiras, sobrados com assoalhos de madeira, apartamentos com mezaninos espaçosos, casas geminadas com varandas laterais e pés direitos duplos...

Em nenhum deles se sentira bem, em uns o cheiro, noutros a luz, às vezes os sons, nada o deixava à vontade. Lia nas paredes das casas as histórias das famílias numerosas e seus muitos almoços de domingo. Não via lugar para toda sua solidão.

Ao abrir a porta do conjugado no Bairro Peixoto se deparou com uma lagartixa no chão a encará-lo com seus olhos de miçanga brilhante. E que, contrariando suas espectavivas, não correu, nem recuou, ela não se movia, exceto pelo lento movimento ondulatório do rabo alisando o piso frio de onde se deixava analisar o invasor.

Com cuidado, o intruso se desviou dela e começou o tour de reconhecimento do imóvel. Não que para isso fosse preciso andar muito, da porta ja inaugurara cada canto da exígua dimensão do cômodo.

Não era o mais espaçoso que visitava, nem o mais conservado, tampouco o mais ventilado. Mas era seu lar. E entendeu isso ao chegar à cozinha, e viu o local onde ficaria o fogão, que só seria usado uma vez por dia pra esquentar a água do café.

E na janela viu o canto onde ficaria pousado o cinzeiro de louça verde claro. E correu os olhos pelo parapeito onde se debruçaria noites insônes a fio.

Na parede oposta viu onde encostaria a cama: um colchão de casal velho, que durante o dia faria as vezes também de sofá.

Acendeu um cigarro e encarou a lagartixa intrusa, que correu para fora intimidada.

Maíra
Enviado por Maíra em 23/05/2007
Código do texto: T498367