Monólogo do adeus

- E aqui estou eu, que, ao contrário do que esperavam, não fiz tudo por você. Eu que, de maneira egoísta, tranquei-me em minha jaula isolada do mundo para esconder a fera que poderia surgir em uma noite densa. Eu que deveria ceder o lugar a outro eu esperado por você. Incapaz de mover a mão para estender em momentos de aflição. E, agora, não posso me perdoar por tudo o que não fiz e não disse. Pelas coisas que deixei passar. Pelo que deveria ter mostrado e demonstrado. Fracassei e tenho consciência disso. Perdi tempo com ideias mirabolantes e esdrúxulas para chamar a atenção do mundo. Hoje, vejo que deveria ter te dado atenção. Eu, centrado em minhas coisas, meus medos, meu mundo. Inapto a enxergar que quem me acompanhou também tinha suas necessidades. Estou habituado a respeitar as necessidades físicas e fisiológicas, mas não as emocionais. Não soube, em um mísero minuto, me esquecer e lembrar de você. Agora, velho e sozinho, sinto que não cumpri os meus deveres. Ser humano fracassado. Marido desinteressado. Pai displicente. Amigo egocêntrico. O tempo passou, e não enxerguei o que fazia com a minha vida.

“Lembra da vez em que te disse para seguir sozinha? Você rebateu. Chamou-me de ridículo e ficou. Eu, no seu lugar, teria ido. E, agora, você foi. E não há volta. Não há negociação. Não há o amanhã em que tudo possa ser resolvido. Não existem palavras para consertar todo o estrago. Definhavas ao meu lado, e eu não a olhava. Gemias. Balbuciavas meu nome, e eu fingia não escutar por não saber te abraçar e mentir, dizendo que tudo ficaria bem. Não. E não vai ficar. Respondia às suas queixas com o meu silêncio. Quantas vezes me chamou de egocêntrico? Eu ria de ti e não compreendia. Achava-a exagerada e carente. Chata, por vezes. E isso quando eu parava para te escutar. Por trás do muro que construí entre nós, apenas sabia que falavas sem parar, mas não me convinha ouvir-te. Suas lamúrias eram vãs. Hoje, teu silêncio eterno domina a casa, a vida e atingiu o muro. Ele não mais existe. Agora, estou desprotegido e solto entre pessoas que não conheço. Entre seres que não me olham, não falam, não sorriem, não se preocupam. Tornei-me invisível como sempre sonhei. Paradoxalmente, queria ser visto, ouvido, abraçado. Punido, censurado e, quiçá, agredido. Sei que era o seu sonho viver a normalidade que não te proporcionei. Notei que sou humano e não sei exercer a minha humanidade. Você me ajudaria nessa descoberta. A única capaz de me abrir os olhos. Lamento por ter enxergado tarde demais. Sessenta anos e a solidão pela frente. A despedida é sempre dolorosa. A incerteza sobre o fim é angustiante."

Enquanto ela era colocada em sua última morada, uma rosa caiu sobre a madeira. A esposa, mulher de palavras certeiras e coração aflito, esperou um gesto de carinho que nunca veio. Sentimento transfigurado em dor. Todas as frases presas em uma mente conturbada. Uma gota molhou a flor. Olhos ardendo e fechados. Não sabia o que acontecia com eles. Não conseguia controlar as sensações involuntárias. Era insuportável o parto da primeira lágrima.

Paula Vigneron
Enviado por Paula Vigneron em 02/10/2014
Reeditado em 18/06/2015
Código do texto: T4985001
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