O Casal de Pintassilgos

O garoto embrenhou-se na mata e levou consigo um farto material para dar cabo à vida de inúmeros pássaros. Saíra de casa determinado em não deixar nenhum moleque ultrapassar sua marca de violação aos inocentes serezinhos, pois era reconhecidamente o melhor em pontaria.

Viu falhas no conjunto de folhas que atapetava o chão e percebeu não estar só. Outros meninos tinham acabado de passar por ali. Talvez fosse a turma do outro lado da lagoa. Já havia escutado conversas no banco da pracinha sobre a pretensão dela: superá-lo na competição de melhor atirador. “Até parece, – pensou o garoto – nunquinha! Treino todos os dias até a exaustão no quintal lá de casa, uso latinhas de refrigerante como alvo”.

Aumentou o passo enquanto afastava os galhos com as mãos e olhava sempre para o alto, curioso, à procura de uma plumagem colorida. A época invernosa acabara recentemente e as árvores se vestiam todas de verde. Sabia estar bem perto de sua conquista ao captar trinados diversos nos arredores.

Sentou sobre um tronco de cajueiro fincado numa clareira bastante luminosa, os raios solares ofuscaram seus olhos irrequietos. Ergueu a perna direita para desencravar um espinho do pé e mordeu levemente a língua para disfarçar a sensação desagradável. Neste intervalo ouviu vozes em lugares dispersos. Os concorrentes estavam próximos, quase sentia o pulsar de seus corações.

Avançou mais um pouco e conteve o fôlego ao avistar um belíssimo casal de pintassilgos acarinhando com o bico um ao outro. Pegou logo o estilingue, cuidou de introduzir um projétil feito de barro na parte elástica e preparou a mira. O casal continuava a trocar afagos. Isto o inquietou. Não teria paciência para esperar o final do chamego. Esticou mais uma vez a arma poderosa. Impacientou-se, novamente. Quedou-se. Lançou um olhar diferente para as duas criaturinhas. Estavam tão contentes! Por que subtrair-lhes tamanha felicidade? A troco de quê?

O peito começou a apertar-lhe, uma voz interior lhe deu novo comando e ele rodou nos calcanhares. Começou a recuar completamente tonto. O suor corria-lhe em bicas pelo rosto. Jogou fora toda a artilharia e correu com uma vontade imensa de chorar. Já não fazia questão de competir com mais ninguém.

Rui Paiva
Enviado por Rui Paiva em 10/10/2014
Código do texto: T4993954
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