ADÃO NO MEIO DO CÉU

O céu rasgou-se ao meio.

Dias antes, Adão perguntou ao padre de sua igreja, se no céu havia algum meio. O Padre, não sabendo muito bem o que ele queria dizer, falou com a voz pausada e bastante embriagada de vinho, que é até pecado falar nestes termos sobre o céu. Pois céu não é meio algum, mas sim o fim de todas as ações humanas. Adão saiu da igreja mais confuso do que entrara e tristemente caminhou para casa para, onde foi rezar seus três mil pai nossos que estão no céu, e ainda se perguntava, onde? Em que lugar do céu?.Pelo que o padre falava, no fim do céu. Mas não seria injusto uma pessoa ter que percorrer toda a vida e depois toda a morte - considerando que o céu está para a morte como a terra está para a vida - para somente no final do céu encontrar com Deus? E teria o céu realmente um final. Adão não sabia.

Dias depois dos dias de antes, no dia que de fato o céu rasgara-se ao meio, Adão estava debaixo de um pé de goiabeira, lendo um livro colorido e com cheiro de felicidade, que uma bonita professora da escola emprestou. E a goiabeira, talvez por achar que Adão estivesse com fome, ou talvez por achar que a cor do livro do menino combinava com a cor de suas goiabas, derrubou uma goiaba madura aos pés de Adão.Ele lembrou do fruto proibido, de todas as consequências derivadas da sua ingestão e das piadas que faziam na escola toda vez que ele ia comer alguma fruta;mas seu estômago roncava, olhou a goiaba e deu-lhe uma grande mordida. O seu mastigar foi interrompido por um barulho, ele olhou para o céu e o céu rasgou-se ao meio. Estranho é que do céu não caísse anjos, nem milagres. Nisso, a goiabeira era bem mais eficiente. De súbito , sentiu saudade de casa, dos pais e do cachorro, como se já estivesse fora há muito tempo. Tristemente sentiu que era hora de voar. Adão foi sugado em meio ao céu, pelo vazio do céu. E Adão voava. Voava Adão, suas pernas e seus braços, sugados pelo vazio do céu. Em outras circunstâncias, talvez fosse o sonho de qualquer outra criança voar. Mas este não era o caso. Adão voava pra longe de tudo que já sentia saudade. De todas as coisas da terra, cuja falta, já lhe apertava o coração. Queria era ir correndo para casa, com os pés firmes no chão, esmagando a grama verde do quintal. Mas ao invés disso, subiu ao céu de nuvens brancas. Pensou que Deus poderia ter feito melhor. Talvez um céu de nuvens coloridas, como as cores daquele livro que estava lendo. Quando, enfim, parou de subir, perguntou a um anjo onde estava e o anjo, consultando um enorme mapa que estendeu sobre uma daquelas nuvens brancas, disse com a certeza de um experiente navegador, que Adão estava bem no meio do céu.

O padre mentira, pois havia no céu um meio e Adão estava bem ali, no meio de tudo, onde anjos corriam pra lá e pra cá com grandes mapas debaixo dos braços, orientando os recém chegados. Isso não era nem ao menos lógico. Pois quem come o fruto proibido deve ser expulso do paraíso e não entrar nele. De qualquer forma era mentira de alguém ou de alguma coisa. Do padre, do vinho ou até mesmo do próprio Deus que mentia sobre tudo e através de tudo que era mentira.Adão não sabia. Não precisava, pois não fazia mais parte daquele mundo em que as mentiras de Deus ou sobre Deus são contadas para as crianças. Adão era livre, ou ao menos pensava, até que alguém lhe ordenou a caminhar até o final do céu. Lá um outro alguém o esperaria. Mas, por desobediência, ou confusão, ou talvez por que Adão fosse de uma cidade de outra história que contei, ele caminhou pro lado errado e, ao invés de chegar no fim do céu, caminhou para o seu início. Porém, antes de chegar no inicio, na verdade, muito antes de chegar ao inicio, mesmo que esta frase soe um pouco estranha, Adão ouviu um alarme e foi expulso do céu. Esse era o seu pecado e Deus o pegara mais uma vez. Porém, feliz estava ele de ter pecado. Pecaria ainda mais dali pra diante, pensava ele.

Adão desceu para tudo que lhe era caro. Saiu correndo, levando um livro meio lido e uma goiaba meio comida. Passou correndo pelo padre. Passou correndo pelo padre, que em frente a igreja tentou, inutilmente, dar-lhe benção. Passou correndo pela vida e pelo mundo inteiro, o mundo o transformou em homem e ele mesmo se transformou num homem bom. Certo dia parou de correr bem em frente a um pé de goiabeira, quando e onde, com um aperto no coração lembrou da história de quando era apenas um garoto;sem saber se tudo realmente tinha acontecido, se apenas adormecera debaixo do pé de goiabeira ou se ainda havia algo de mágico naquele livro colorido que Adão lembrava agora depois de muitos anos sem pensar nele. E a professora, onde andava? Alheio a estes pensamentos que não tem importância alguma para as goiabeiras, ela, achando que a cara de Adão era de fome e também para saudar a sua visita, derrubou um fruto maduro aos seus pés. Adão pegou a goiaba madura e deu uma boa mordida nela, não sem antes dar um largo sorriso e sem depois dar uma longa olhada para o céu, como que esperando alguma coisa. Sentou um pouco e olhou ao redor. As árvores, as folhas, o mato, a grama, as flores e as frutas, tinham a mesma cor de outrora, pois nada é realmente em preto e branco no passado, contudo, como era diferente a vida agora. Como o céu estava cheio. Adão sentou. Não precisava mais correr. Tinha muitas goiabas maduras para encher a barriga e uma tarde inteira para pensar nas coisas que quisesse, fosse do céu, fosse da terra.

Lucas Esteves
Enviado por Lucas Esteves em 16/10/2014
Reeditado em 17/10/2014
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