AS AVENTURAS DEUM VELHO MARINHEIRO

O velho marinheiro lançou-se ao a mar de coisas não construídas pela vaidade do homem, quando ouviu, depois de muito tempo, a voz de um poeta que quase morria dentro de si. Sua casa agora seria onde o homem não punha a mão e a própria natureza não atravancava a sua visão do horizonte. Pois sua casa seria a busca do próprio horizonte. Lançou-se ao mar, o velho marinheiro, num profundo retorno ao lar.

Sabia dos perigos que o aguardavam e eles já ouviam rumores daquele a quem teriam que derrubar. Mas também sabiam que não fariam isso por maldade, mas por uma cruel obrigação da sua própria natureza. A tempestade tomou a frente e o céu inteiro. Tentou, quase incansavelmente, afundar aquele velho marinheiro com a sua também velha embarcação. Mas a tempestade se enganou ao subestimar os adversários, ou o adversário, pois naquele momento o marinheiro e a seu barco eram um só. Assim passaram três dias e três noites, e a tempestade, como era quase incansável, e não totalmente incansável, no final da terceira noite se deu por vencida sem lamentar de modo algum a derrota, pois à natureza não cabe sentimento algum de orgulho ou vaidade. Nesta manhã o sol apontou no horizonte como se nada tivesse acontecido, como se sempre estivesse lá, aguardando quem ousasse querer voltar para o seu verdadeiro lar. E o velho marinheiro riu consigo mesmo e com seu barco.

Contudo, os perigos não haviam acabado. Havia a sede, a fome e os predadores do fundo do mar. Ao que depois de alguns dias, o sol, de início tão sedutor, se tornara um inimigo, pois suas provisões de água haviam acabado. O velho marinheiro olhou com a boca ressequida para cima, implorando por aquelas lágrimas sem sal que costumam cair do céu. Tentou assim, persuadir os anjos, ou melhor, sensibilizá-los. Abriu se coração, contando toda a sua vida. Contando como vivera entre os homens e se entristecera pelos homens, decidindo assim, se isolar no meio do mar. Ao final de sua história o próprio marinheiro chorava. E embora, lá em cima, os anjos rissem dele, um pouco mais abaixo, as nuvens, compadecidas, choraram e o velho marinheiro de sede não morreu.

Mas água não matava a fome e ele, depois de dias sem nada comer, em seu delírio já começava a devorar o próprio barco e a si mesmo quando foi despertado por algo. Estava sendo observado. Lá, tão longe dos homens. Lá, onde Deus não se daria o trabalho de pôr os olhos, ele estava sendo observado. Sereno era o olhar do tubarão, contudo, havia implícito nele um grande desafio: Ao vencedor, a refeição. A luta não poderia demorar. Não havia tempo para estudar o adversário. Lançou-se ao mar mais uma vez, desta vez de peito aberto, com um facão na mão. O ataque foi rápido. Tubarão nenhum esperaria tanta audácia de um ser humano. Mas ele não era apenas um ser humano. Era um marinheiro. Com o tubarão ferido o trouxe para seu próprio território e antes de dar o golpe final, olhou o inimigo no fundo dos olhos, para que ele soubesse bem quem o tinha matado e o por que tinha morrido. Em seguida o matou com respeito, como se isso fosse a coisa mais importante de ambas as vidas e de ambas as mortes.

Ao vendedor, a refeição. Quem dera ele pudesse compartilhar essa vitória e essa refeição com alguém, mas não havia ninguém. Estava sozinho. Longe dos olhos de todos os homens e de Deus.Vencera a tudo, mas a solidão é a ausência de tudo, e por isso ele não pode vencê-la. Não havendo mais inimigos, ele era o seu próprio inimigo, mas estava cansado de lutar consigo mesmo a vida inteira. Como não percebera isso antes? Agora era tarde, não havia modo de voltar atrás. Sucumbiu. Deixou-se sucumbir, mas antes do total desfalecimento avistou algo no horizonte, algo além do sol, algo parecido com uma casa, uma casa no meio oceano. Não, não era uma casa, não estava louco, tampouco sozinho. O que via no horizonte e que as poucos se aproximava era um pequeno barco, aparentemente feito de restos de uma casa. Havia ali uma porta, duas janelas e até mesmo um telhado.E de dentro do barco, uma velha sorridente acenava. De um lado da velha um homem desviava o olhar e do outro lado do barco, um peixe saltitante que, apesar dele não perceber, sorria de satisfação ao encontrar mais um companheiro. O velho marinheiro foi alcançado pelo próprio horizonte que tanto buscava e enfim estava em casa.

Lucas Esteves
Enviado por Lucas Esteves em 18/10/2014
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