As escolhas da nossa vida

- Olá? Tem alguém aí? – João escutou a pergunta se perder no silêncio. Ele olhou ao redor, achava que reconhecia aquele lugar, já tinha passado por aquela avenida antes, não tinha?

Ouviu passos, parecia que várias pessoas estavam correndo até aquele ponto.

- Olá? Podem me ajudar?

Ouviu sirenes.

- Podem me ajudar? Acho que estou perdido. – A pergunta de João foi ignorada mais uma vez. Agora a avenida estava começando a se encher de pessoas, todas correndo ou falando em sussurros umas com as outras.

Algumas rezavam.

- Será que ele está vivo? – um homem de mais ou menos trinta anos que usava uma camisa pólo perguntou ao amigo. – Foi um acidente bem feio.

- Mas os bombeiros já estão chegando, tudo vai se resolver. – respondeu uma senhora de uns sessenta anos.

- E se não chegarem a tempo? – perguntou uma menina morena que parecia ser a neta da senhora.

- Ele vão chegar.

- Mas e se não chegarem?

- Eles vão chegar.

- Com licença, de quem estão falando? – João estava começando a achar aquela situação toda muito incômoda, não era nenhum tipo de fantasma.

Ou era?

Só então notou um carro, todo amassado e retorcido contra um poste, à alguns metros de distância. O homem da camisa pólo tinha razão: era um acidente bem feio.

- Os bombeiros chegaram. – informou um homem baixinho. – Mas acho que as notícias não são as melhores.

- Para de fazer graça, Carlos. Fala logo o que eles disseram.

- Não disseram nada, mas eu vi. A cabeça está sangrando bastante e na hora que o carro bateu ele atravessou o pára-brisa e caiu quatro metros mais adiante.

- Meu bom Jesus! – gritou a senhora. – Ele está morto?

- Não sei, mas acho que sim.

- De quem vocês estão falando?! – gritou João – Não pode ser que todos vocês sejam surdos! - Mas ninguém demonstrou qualquer reação diante da explosão, e revoltado, João correu até o local do acidente.

Alguns bombeiros tentavam tirar o carro do local, outros estavam tirando fotos de tudo, e uma meia dúzia socorria o que parecia ser o acidentado. João não teve dúvidas que a menina morena tinha razão, o homem não podia estar vivo naquelas condições.

João chegou mais perto.

O homem parecia assustadoramente com ele mesmo.

O homem era ele.

- Meu Deus... – sussurrou para si mesmo – Não pode ser verdade... Isso não acontece na vida real... – Então ele se lembrou de tudo. Da reunião que tivera a algumas horas atrás, no sono que estava sentindo enquanto voltava para casa, do freio que falhou quando fez a curva à 100 km por hora, da sensação de estar voando...

- Só por que você não vê as coisas acontecerem, João, não significa que elas não sejam verdade. – Quem falava era um senhor de aproximadamente setenta anos, apoiado em uma bengala e com uma rosa na mão. – As vezes as coisas mais importantes acontecem sem que nós vejamos ou imaginemos que elas estão acontecendo.

- O senhor...o senhor é Deus?

- Na verdade eu sou a Morte.

- A Morte?

- Surpreso?

- Me desculpe, mas você não se parece com a Morte.

- Eu sou do jeito que eu quero ser, ou às vezes, do jeito que as pessoas escolhem me imaginar. Sou apenas uma força invisível, não sou humana, portanto não tenho forma definida.

- Então...eu morri? – embora já soubesse a resposta João precisava da confirmação de outra pessoa. Não podia deixar de pensar que tudo aquilo era um sonho e que em breve acordaria no chão do banheiro, de ressaca.

- Eu sinto muito meu filho, mas sim. Você está morto.

- Eu não devia ter morrido agora... tinha tantas coisas para fazer ainda. Eu estava noivo! Consegui um bom emprego! Você não tinha esse direito!

- Meu filho, não sou eu que decido quando as pessoas morrem, eu só cumpro ordens. E afinal de contas, todos morrem um dia. Ia acontecer de um jeito ou de outro.

Ele sentou no asfalto molhado e começou a chorar. Um choro baixinho, quase como um sussurro.

Ou uma súplica.

- E o que vai acontecer comigo agora? - perguntou, com a voz embargada. - Vou para o céu?

- Ainda não, meu filho. Você vai nascer de novo.

- Então esse negócio de reencarnação era mesmo verdade?

- Não acreditava?

- Não, não sou religioso. O que eu vou ser na próxima vida?

- Vai ser você mesmo, ora.

- Como...como assim? Não vou ser uma pessoa diferente?

- Mas é claro que vai ser! Só que no mesmo corpo e com a mesma personalidade e com a mesma família.

- Tipo uma viagem no tempo?

- Se prefere chamar assim...

- Isso não faz sentido, deixa eu ver se entendi. Quando alguém morre o espírito volta no tempo e a pessoa nasce de novo?

- É basicamente isso, sim.

- Isso é um absurdo! E todo aquele papo de que a reencarnação servia como um aperfeiçoamento da alma? Fazendo isso a pessoa fica presa em um círculo vicioso e nunca vai conseguir ser alguém melhor!

- Isso não é verdade. Você pode ser alguém melhor se fizer as escolhas certas. Nunca ouviu falar que são as escolhas que te definem?

- Mas...mas...se a minha alma voltar no tempo eu não vou poder fazer outras escolhas porque a história já está escrita. Não tem volta.

- É claro que tem, meu filho. Vocês humanos tem um poder muito especial mesmo achando ele inútil: o livre arbítrio. Com ele você pode mudar a história, pode se tornar alguém melhor.

João estava terrivelmente confuso e perdido. A verdade é que não queria ser ele mesmo novamente, sua vida estava uma verdadeira tragédia. Estava noivo sim, mas batia na sua namorada por conta do alcoolismo. E realmente tinha um ótimo emprego, mas não podia suportar as fofocas que faziam a seu respeito na firma. Além de ter perdido a família inteira em um acidente de avião há dois anos. Não podia nem queria ser ele mesmo novamente, queria alguém diferente. Alguém melhor do que ele mesmo podia ser.

- Eu sei que você deve estar assustado com tudo isso, já vi muitas pessoas no seu estado. Você não quer voltar a ser a pessoa que era, não é mesmo? Tem medo de ser novamente como é e tem medo de fazer as escolhas erradas novamente. Eu não posso te garantir que as coisas serão melhores, mas posso te afirmar outra coisa.

- O que?

- Ser uma pessoa melhor ou pior, fazer as escolhas certas ou erradas só depende de você. A história é sua, não dos outros, a vida é sua, por isso você deve aproveitá-la ao máximo antes que o freio falhe na curva e a morte bata à sua porta.

- Obrigado...pela ajuda e pelo conselho.

- Imagine, meu filho. E quer saber um segredo? Na sua vida passada você foi um grande médico! Salvou muitas pessoas em estado terminal, um homem incrível. Não tenha medo do que vai acontecer daqui por diante, por que do mesmo jeito que a felicidade é passageira, o sofrimento também. Tudo se ajeita uma hora ou outra. Sabe...vou te dar um presente.

- Um presente? Eu agradeço de todo o coração. Não é todo dia que a Morte te dá um presente!

- Vou te dar uma frase.

- Uma frase? Qual?

Sete anos depois...

Dona Maria Lúcia estava na cozinha, preparando o prato preferido do filho: filé de frango à parmegiana. Ela adorava mimá-lo sempre que podia; a típica mãe coruja.

- João, o que você está fazendo?

- Eu tô escrevendo, mamãe.

- Escrevendo? E o que você está escrevendo?

- Uma coisa que um senhor me disse uma vez, era um senhor muito bonzinho. Mas não lembro quando ele me disse isso.

- E eu posso ver a frase?

No papel estava escrito com giz-de-cera azul: “Nunca julgue alguém pela sua história, julgue-a pelas suas escolhas.”

Matheus Barbosa
Enviado por Matheus Barbosa em 20/10/2014
Código do texto: T5005753
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.