JOÃO E SEU SONHO PERDIDO

João tinha um sonho. Pois é bonito ter um sonho. É cinematográfico. Fica bem em um livro e em qualquer história de vida.Ouvindo isso a vida inteira, João seguiu atrás deste tal sonho. Como se isso fosse uma necessidade humana. Uma necessidade de João. O problema disso tudo é que ninguém nunca falou a João como haveria ele de distinguir o que era realmente o seu sonho. E como João era um deste que precisava, pateticamente, de orientação, manual ou exemplos pra tudo que fazia, seguiu desvairado em busca de um sonho já feito na boca de tantos outros como ele.

João dizia que sonhava em mudar o Brasil. João, de fato, realmente pensava que queria mudar o Brasil. Tinha motivos pra isso. Como haveria de não ter? .Mas se fosse indagando sobre os motivos destes motivos, coraria, acabaria se embananando e responderia com os mesmo motivos.

João era raso.

Levava gravado em sua excelente memória, um conjunto não muito grande de frases feitas, prontas para serem vomitadas a cada nova tragédia ou escândalo que os jornais publicavam.

João era chato.

Se, por exemplo, em algum acidente de trânsito fatal, ocorria de um jornal publicar que o motorista poderia estar em alta velocidade, João já saia julgando, contabilizando um idiota a menos no trânsito, sem ponderar a veracidade de fato algum.

João não tinha tato.

João queria mudar o Brasil. Ainda não sabia como. Mas ia descobrir. Tentou na copa, mas chegada a hora, inventou que tinha uma voz no coração que falava mais alto. João era patriota demais para mudar alguma coisa. João não sabia e não interessava para ele saber que as pessoas são mais importantes que uma Pátria. Contudo, apesar do coração patriota de João falar mais alto, ele estava indignado e vaiou. João vaiou a si mesmo e não sabia.

João era cego.

Nas eleições estava confiante. Agora o Brasil ia mudar. Escolheu o lado da mudança.As eleições acabaram e João não entendia como país queria continuar na mesma. O que João não sabia é que o país - fora da sua estreita visão de mundo -já estava mudando. Mas João não mudava. João queria mudar o Brasil, mas não estava disposto, em hipótese alguma, a mudar a si mesmo. Incompreendido pelo mundo, João fez a coisa sensata, para uma pessoa como João, fazer no momento. Xingou aquilo que estava sendo xingado.

E João era tantos.

Pensando não nisso, mas em outras coisas, João estava sentado no parapeito da cobertura onde morava. Olhava para baixo, agradecendo a distância que o separava daqueles seres tão pequenos que não ansiavam por mudança alguma. Por algum motivo, João se desequilibrou e caiu. Não havia mais distância. Não havia mais João. É uma pena que durante a queda João não tenha tempo de descobrir que o seu verdadeiro sonho estava prestes a se realizar. Pois a morte de João não foi dada como acidental, mas sim como um suicídio, possivelmente um protesto contra o resultado das eleições. Mas não, João não virou um mártir da mudança que tanto parecia desejar. Contudo, sua morte gerou uma certa polêmica. E no fundo, era com isso que João sonhava todo final de tarde, sentado no parapeito da cobertura onde morava.

Lucas Esteves
Enviado por Lucas Esteves em 28/10/2014
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