UM MENDIGO DE ROUPA LIMPA

Se você conhece uma pessoa desatenta, relaxada e chata, pode se considerar privilegiado, porque eu conheço o Rui Carlos que, além de ser todos esses adjetivos, ainda tem um prazer enorme de desfazer o dos outros. Ele consegue em quinze segundos desfazer a alegria de um campeão no pódio, por exemplo. Na seção em que faz boca de urna a quantidade de votos nulos supera as expectativas, ele consegue deixar o eleitor com raiva de todos os candidatos. Rui Carlos gosta de umas biritas e quando está sozinho discute economia, receita de bolo de fubá, ciência quântica e qualquer outro assunto com muita propriedade e conhecimento, quando está acompanhado, bem primeiro ele chama a namorada para um happy hour, depois a leva ao mesmo barzinho de sempre e fica abraçado, quer dizer, fica cercando a menina como se fosse um guarda costa e ainda finge que não conhece ninguém por perto.

É datilógrafo, mas está sem trabalho há cinco anos e vive colocando a culpa no computador, diz que as ferramentas como o MS-DOS e Windows 3.1 acabaram com a sua profissão. Sua mãe disse para fazer um cursinho de digitação no CEOP ou Datamec, esses em que se ensina perfuração e linguagem Dbase, mas ele quer aprender a tocar violão com o vizinho seresteiro. Seu pai diz para os amigos que desconfia que seu filho está fazendo curso para entrar na NASA, porque vive olhando para o céu.

Quando marca um compromisso sempre chega atrasado, hábito que adquiriu lendo Flash nos quadrinhos, porque o personagem Barry Allen, sempre chegava atrasado aos encontros, porque seu irmão gêmeo, morto no parto, nasceu antes dele. Rui Carlos é muito apegado às suas coisas, não chega a ser um acumulador, isso não, mas tem dificuldades em sair da posição que se encontra, há dois anos usa um dente frontal provisório porque acha que o definitivo não vai ficar legal, por conta disso visita quinzenalmente o dentista para cimentar o dente, isso quando não cola ele mesmo com super bonder.

Esse é o meu amigo Rui Carlos, um inveterado boêmio das noites impossíveis, um cavaleiro solitário resignado com sua impopularidade, um bispo sem mitra, um rei sem coroa, um boxeador sem luvas, um marinheiro sem navio, um poeta sem musa, uma Ipanema sem garotas, uma vitrola sem João Gilberto, uma nuvem sem chuva e um mendigo que lava suas roupas, é assim que ele gosta que o definam: Um mendigo de roupa limpa!

Ricardo Mezavila.

Ricardo Mezavila
Enviado por Ricardo Mezavila em 30/10/2014
Reeditado em 30/10/2014
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