Bato no peito para dizer que não devia ser assim. Que a minha forma de encarar os funerais devia ser outra, mais tranquila, mais serena. Que nas vésperas do funeral devia fazer uma visita à capela funerária para estar com a família sofrida. Estar com eles, mesmo que não dissesse muitas palavras. Rezar com eles, mesmo que fossem frases feitas, jaculatórias conhecidas, o terço que é a oração mais fácil quando não se sabe que rezar e se quer estar uns bons minutos a rezar. Mas só de pensar naquelas pessoas com rosto banhado em lágrimas, com roupas de luto, com as outras pessoas a carregarem mais o seu luto com os Meus Sentimentos, dá-me uma vontade de fugir para um canto, escondido no recôndito de uma qualquer capela com sacrário e dizer ao Senhor que afaste de mim este cálice. Bato no peito porque sei como poderia ser bom para aquela gente. Invento desculpas para não ir, quando uma razão apenas existe. Tenho fé clara e autêntica na Ressurreição, mas a dor do que sofre com a perda de alguém é como se me adentrasse pelas entranhas do coração e o fizesse partir em pedaços para lançar ao longe e ao largo. Mas não me peçam para ser capaz. Nunca encaixei muito bem aquela de ir dar os sentimentos, porque os sentimentos não se dão. Vivem-se. E nessa hora de dor a nossa atenção precisa é dos que nos são mais próximos. Precisamos deles como se dependêssemos deles ou da sua atenção. Precisamos daqueles que nos são próximos em sangue ou afetivamente, daqueles que nos sustentam e nos seguram em pé. Os outros, apesar da sua bondade, da sua afabilidade, da sua companhia, acabam por fazer com que o nosso corpo morto ou desfalecido pareça ainda mais pesado. Sei disso porque já morreram pessoas a quem estava ligado de formas extraordinariamente belas, e o que eu queria era que me deixassem ali agarrado aos que me sustinham em pé. São horas que têm de ser. Mas eu não consigo ser bom ministro de exéquias nessas ocasiões. Peçam-me mais tarde que fale com eles. Isso faço. Mas naquela hora só me apetece fugir. Por isso bato no peito para dizer que não devia ser assim.