O BOLSO

Estava sujo, jogado ao canto de uma calça jeans de um trabalhador braçal.

Estava realmente sujo, talvez não tão visivelmente por fora, mas decerto, por dentro, ah sim.

Cheia de resquícios de poeiras, sujeiras e pedaços malcomidos de alimentos e suas migalhas.

Lá podia se encontrar migalhas de pão, biscoito, algumas unhas sujas e cortadas também.

Ah e claro, além de uma ou duas notas fiscais de uma ou duas comprinhas que, o braçal, tinha feito para a sua casa. Mas, não continha nenhum dinheiro. Nenhum mesmo. Talvez contivesse algumas moedas de cinco ou dez centavos, mas não mais.

Tudo bem que dez ou cinco centavos podem, sim, serem classificados na classe “dinheiro”, mas convenhamos: o que fazer com dez ou cinco centavos?

Talvez comprar algumas balas daquelas de cereja, ou outras quaisquer umas incluídas naquelas promoções de botequins, barzinhos, mercadinhos, vendinhas de esquina, baleiras e doçarias de país subdesenvolvido em desenvolvimento. Aquelas promoções que oferecem três balas no valor de dez centavos.

Mas aí, nesse momento, surge a pergunta: e se a pessoa encontrasse no bolso apenas cinco centavos?

Ai, essa mesma pessoa – proprietária dos cinco centavos – compraria apenas uma bala porque não tem nenhuma promoção em nenhum dos lugares guaçuíenses, acredito eu, que venda uma bala e meia por cinco centavos. No máximo, isso na hipótese de comerciantes generosos, duas balas por cinco e não mais. Ninguém quer ficar no prejuízo.

Certa vez ao ser tocado, remexido e misturado foi encontrado nele cinco centavos. Que vitória!

Naquele abafamento, caso o bolso pensasse, poderia imaginar:

“Hoje o dia está abafado! A boca de meu dono deve tá mais seca que piscina de plástico de pobre no inverno.”

E, ao retirar os cinco centavos do bolso, de volta só foi posto a embalagem açucarada de uma bala refrescante – daquelas que prometem refrescar até a alma de quem a chupa.

Ficou lá por semanas aquele papel. O bolso, se pudesse sentir, com toda a certeza do mundo se magoaria com tamanho descaso de seu dono.

Afinal, ninguém cuida bem de seus bolsos. Ninguém cuida bem do que mantém neles.

Quando chegava ao fim do mês, o moribundo braçal sem carteira, sem lenço ou documento enfiava no bolso um bolo de notas das mais limpas e quentinhas, saídas do caixa eletrônico às mais sujas, frias e despedaçadas saídas das mãos de quem como o mesmo trabalhava arduamente.

As notas mal chegavam e já saíam, todas elas, não sobrava uma sequer para contar a linda história da origem das notas. Não adianta pensar que as notas sujas e quase despedaçadas fugiam desse triste destino. Todas elas entravam e, muitas vezes, no mesmo dia saíam.

Se bolsos e notas falassem, com toda a certeza, o diálogo seria este:

- Notas, por que vocês não param em mim? – perguntaria o bolso.

E, elas sorridentes, simultaneamente, diriam:

- Ah, porque assim que chegamos já somos depositadas em mercados, loterias, bancos, etc.

- E qual serventia tem vocês por lá? – o bolso interrogaria.

- Nós ficamos guardadas, escondidas, entre gavetas, envelopes e malotes. Mas, na loteria é o lugar onde se paga água, luz, essas coisas. Os seres humanos me usam para pagar esse tipo de coisa por lá.

- Nossa, meu dono deve usar muita água e luz, afinal, ele usa quase todas vocês na loteria.

- Ele não joga? – indagaria uma das notas.

- Não! – afirmativo diria o bolso.

- E, como pode ter tanta certeza? – todas as notas espantadíssimas perguntariam ao bolso.

- Porque as suas irmãs, notas-fiscais, que chegam aqui nenhuma tem alguma relação com os jogos. Só com água e luz. Tem algumas que chegam aqui que tiveram relação com compras de supermercado. Uma ou duas só que aparecem por aqui durante todo um mês. – diria o bolso e continuaria – Mas me entristeço, sabem notas, porque há meses, senão, anos que não sei o que é água nem sabão. E, olha que meu dono gasta quase todas vocês na Loteria.

- Sabemos como é senhor bolso, mas não se entristeça. Você é um santo! Um Santo – tentariam acalentar o bolso. – Um dia você ficará guardada até não ser mais utilizável, ou então, jogada num desses lixões à céu aberto.

- E, quem disse isso à vocês?

- Foram as coisas que, através de nós, os seres humanos compraram. Conversamos com essas coisas algumas vezes e, as recicláveis estavam contando todo esse assunto para nós.

- Será que um dia alguém me reciclará, notas?

- Não sabemos. Mas achamos que não. Nunca vimos em nosso tempo de vida qualquer coisa parecida. Mas olha, ainda há a opção de ser queimado.

- Que eu seja queimado então!

- Estamos ressentidas por isso, senhor bolso.

E, depois dessa conversa, quando todas as notas saíssem dele, entraria em crise existencial:

- Então quer dizer que meu fim é esse? Que merda de vida. Quero ser queimado junto à todo resto de mim. Queimado!

Antes da calça-braçal ser comprada, se por ventura as calças falassem, a mesma escutaria das sociais:

- Nós somos propriedades dos doutores e bancários e sempre somos valorizadas. Agora, vocês, as jeans sofrem! Sinto pena das pernas que vocês vestirão. – esnobes, as sociais falariam.

O bolso, por sua vez, cansado de tanto descaso adoeceu – claro, caso pudesse adoecer. Suas linhas se encontravam frouxas. Ficou furado. Aliás, a calça inteira adoeceu, foi ficando puída e velha. E, que vestimenta aguentaria ficar debaixo do sol-causador-de-câncer-de-pele de quarenta graus, de segunda à sábado?

As jeans são guerreiras!

Guerreiras calças jeans!

A questão é que de forma inconsciente o bolso e todo o seu todo, a jeans, saberiam – se consciência tivessem – que o fogo faz renascer e que ser queimado foi a melhor opção que pudera ter feito. E, entretanto, provavelmente sua vontade não fosse respeitada, ao menos, quis pensar, mesmo não sendo um ser, ou qualquer outra coisa que pense. Sei lá, observando melhor é tão complicado entender as calças e seus bolsos.

O bolso se tornou inutilizado e todo seu resto aos poucos também.

Não se sabe qual fim teve a calça.

Não se sabe qual fim teve a sua triste vida.

Matheus Di Oliveer
Enviado por Matheus Di Oliveer em 02/11/2014
Reeditado em 24/07/2015
Código do texto: T5020981
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