Menino da Ribeira

Era finados. E, ainda por cima, domingo.

E como numa metalinguagem (ou seria pleonasmo) bucólica e tênue, nada além da melancolia restou presente.

Porque era domingo. E, ainda por cima, finados.

O moleque acordou como num dia qualquer. Com uma roupa qualquer, depois de uma noite qualquer, com pessoas que amava estar em qualquer ocasião.

O moleque era um menino da Ribeira. De uma Ribeira de luzes e trilhos. De cores e asfalto. De boemia e magistério. Era um lugar, como vários outros não-lugares. Era de onde vinha o menino.

E o menino era um moleque. Sua imaginação era rápida. As ideias vinham e ele as cuspia e tragava e ruminava e cuspia e as ideias jorravam e o pensamento flutuava e caía e se erguia e voava… Longe. Não voltava. Sua imaginação era rápida, ao passo que, seu coração, lento.

O menino da Ribeira via filmes e escutava músicas. E os olhos marejavam invariavelmente. Talvez fosse tudo mentira. Talvez as crises de ansiedade não fizessem o menor sentido e aquilo não passava de elucubrações vãs da sua imaginação rápida.

Nada daquilo enchia seu peito.

Fato é que o moleque, apesar de moleque, já viveu. E, sem perder a ternura da, ainda, juventude, tentava endurecer a alma pesada.

Não conseguia, portanto, fugia.

Escolhia, como solução, logo a fuga, que é o subterfúgio mais fácil e fugaz. Típico dos covardes. E o moleque era covarde. Um covarde afetivo, mas, que não se furta do bom combate.

Chega a ser engraçado.

Outro dia, passeava pela rua quando viu uma flor. Logo desviou o olhar. Depois, desviou o passo. Depois, desviou o pensamento. Já não havendo mais o que desviar, foi pra casa e se embriagou de arte, tentando tornar menos violento aquele acaso.

Nesse dia, chorou.

Gritou: volta!

Mas, era mentira. Na verdade, nunca chegou a ser real. Mas, o moleque gostava de fantasiar. E ter se embriagado de arte findou por não ajudar em absolutamente nada. Aliás, o nada foi o que sobrou naquele momento cheio de vazio. E ele gritou: volta! Mas, a parede não respondeu.

Aquele moleque era diferente dos amigos que cultivava. Ao contrário deles, não tinha muitas histórias sórdidas e nem vivera grandes aventuras. Teve amor. E só de amor sobreviveu. Era um idealista. Perdia seu tempo imaginando coisas apressadas. Inventava paixões tanto dilacerantes, quanto inexistentes.

Era um moleque.

Mas, depois, era domingo. E, ainda por cima, finados.

E ele resolveu, de novo, embriagar-se de arte.

Tocou um refrão.

Volta.

E os olhos marejaram de novo.

Era teu cheiro ou nada mais.

Divagou.

Voltou.

Ah! Moleque sem jeito. Não podia ter cinco minutos de devaneio, que já retornava pras mesmas lembranças de dias atrás.

Mas, aquele domingo de finados talvez tivesse sido um pouco diferente das outras decepções. Era como uma memória do que não foi. Reminiscência de um suposto futuro. Era ilusão de uma vida que não teve. Mas, era tão real!

Não era real.

E o moleque, menino da Ribeira, embriagou-se de arte até não caber mais uma gota sequer naquele receptáculo. Transbordou de amor e loucura.

Daniel Euzébio Pinheiro
Enviado por Daniel Euzébio Pinheiro em 07/11/2014
Código do texto: T5027121
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