O Homem de Cabelos Negros - II de III

As flores ficaram na minha mesa durante toda a semana, e todos os dias ele ligava para tratar de trabalho e quando não havia pendências a resolver me ligava para contar algum fato engraçado do cotidiano da fazenda. Tentava manter um postura profissional e ficar indiferente as suas tentativas de aproximação e quando pedi de uma forma educada que não ligasse com tanta frequência, ele me disse que estar em contato, mesmo por telefone, com uma mulher era a única maneira de esquecer que viveria recluso em uma fazenda só com homens por quatro meses, dos quais ainda faltava mais de dois. A frequência dos telefonemas acabou por nos aproximar e em pouco tempo já sabíamos muito um sobre o outro. Ele sabia sobre minha recente separação e eu sabia que seu pai havia morrido recentemente e logo após a mãe e irmã haviam voltado para interior de São Paulo. Sabia que ele estava reformando uma das casas da família e que seria para lá que mudaria logo que terminasse a safra de soja e ele voltasse para a cidade.

Faltando um mês para terminar o contrato e o mesmo tempo para o Pietro voltar para a cidade, ele me ligou como de costume, era a manhã de uma sexta-feira e ele queria saber se eu lhe faria um favor. Perguntei o que seria e pra minha surpresa me pediu que o ajudasse a comprar os móveis para sua casa. Me informou o nome da loja e do vendedor e caso aceitasse lhe ajudar, deveria ir até lá escolher os móveis da sala e cozinha, após fazer a escolha o vendedor, que era amigo dele se encarregaria de cobrá-lo. Disse a ele que eram escolhas muito pessoais e que eu não me sentia confortável em fazê-las. Ele afirmou que confiava no meu bom gosto e que não seria difícil, pois ele já havia passado ao vendedor algumas opções e que meu trabalho seria apenas escolher entre a opção A ou B. Após confirmar que o ajudaria, ele disse que aguardasse, pois alguém iria passar no escritório para me entregar às chaves da casa com o mapa e endereço, pois entregariam os móveis no sábado à tarde e eu deveria estar lá para recebê-los.

Antes que pudesse dizer algo, ele completou:

- Sim eu sei, sou folgado ao extremo, mas prometo te convidar para um jantar de agradecimento, logo que a casa estiver pronta.

Usei parte do meu horário do almoço daquele dia para escolher os móveis. O vendedor estava me aguardando e tudo foi resolvido rapidamente. Naquele mesmo dia fui a casa dele. Aparentemente haviam terminado a reforma há poucos dias. O piso estava sujo e havia entulhos num canto da cozinha. Fui até o quarto e este era a única parte da casa que estava limpa e arrumada. Havia uma cama, num cantinho uma mesa e cadeira que fazia às vezes de escritório e um closet que dava acesso ao banheiro. A decoração sem muitos detalhes e as cores escuras denunciava que o ambiente era tipicamente masculino. Me peguei imaginando se aquele quarto já havia recebido uma visita feminina. Fiquei surpresa com meus pensamentos, então fechei a porta e guardei minhas indagações.

No outro dia, cheguei uma hora antes da previsão de entrega, pois desejava deixar o chão limpo. Para minha surpresa havia dois homens e uma senhora na casa. Os rapazes retiravam os entulhos e a senhora, dona Olga, além de coordenar a arrumação, seria a partir daquela data, a responsável pela limpeza semanal.

Ela me olhou e resmungou algo do tipo: O menino tem bom gosto.

Conversando, soube que ela havia sido empregada dos pais do Pietro e o conhecia desde garoto, então ela disse que me aguardava, pois o Pietro havia lhe contado que eu apareceria para receber os móveis e também seria eu que escolheria o local onde eles seriam instalados e que ela não estranhasse caso eu fizesse cara de surpresa. Conversamos mais um pouco e juntas escolhemos o melhor layout para os ambientes. O pedido foi entregue e os rapazes que antes se encarregaram de retirar os entulhos agora se ocupavam com a montagem dos móveis. Foram rápidos e três horas depois sala e cozinha estavam montadas e arrumadas. A senhora e eu ficamos contentes com o resultado e contrariada ela confessou que me convidaria para um café se tivesse os ingredientes e utensílios necessários. No despedimos com um abraço afetuoso.

Na segunda-feira ele me ligou para agradecer e então perguntei como faria para devolver-lhe as chaves da casa. Ele pediu que ficasse com elas, pois voltaria em três semanas e recebê-las das minhas mãos seria uma ótima desculpa para conhecer a baixinha de olhos pretos e lindos cachos castanhos, de nariz empinado e dona de curvas perfeitas, com a qual ele vinha sonhando já a algumas semanas. Fiquei muda. Não fiquei surpresa com a cantada, mas sim com o fato dele descrever meus traços físicos sendo que ainda não havíamos nos vistos e o assunto aparência física ainda não tinha sido abordado em nossas conversas. Diante do meu silêncio ele gargalhou disse:

- Calma! Homens são tão fofoqueiros quanto mulheres e eu ando perguntando muito sobre você.

Sorri do outro lado da linha e disse que ele era um bobo.

Ele disse que estava feliz por ter evoluído de mal educado e grosso, para bobo e que eu tivesse cuidado pois poderia fazê-lo acreditar que teria alguma chance. Me desejou bom dia e desligou o telefone. Após colocar o telefone no gancho comecei a lembrar de uma das advertências de minha mãe: Não comece algo que não possa terminar! Estava claro que havia um interesse mutuo, mas até onde estava disposta a levar esta brincadeira.

No final da semana seguinte, comprei alguns utensílios de cozinha: Uma chaleira, xícaras, talheres, um jogo de panelas, um conjunto de pratos, café e açúcar e aproveitei que dona Olga estaria lá no período da tarde para levar meus presentes.

Ela ficou muito feliz por me rever e agora acompanhadas por uma xícara de café conversávamos animadamente. Organizamos os utensílios e na mesa deixei um cartão felicitando-o pela casa nova.

Rebecca Kall
Enviado por Rebecca Kall em 11/12/2014
Código do texto: T5066237
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