PIZZA , VINHO E UMA SEREIA LOUCA DE LSD

Aguardávamos por nossa pizza a quase quarenta minutos , enquanto isso Tânia e eu dividíamos uma porção de batata frita com queijo e bebíamos vinho . Era noite , uma fina garoa lubrificava as ruas de pedra da cidade . A banda tocava no palco , espremidos e barulhentos . O vocalista tinha olhar de peixe morto , sua voz melancólica contrastava com os murros que o baterista acertava no seu instrumento , que sendo assim mal se fazia ouvir a guitarra do sujeito de óculos escuros e calça de couro que dedilhava uma guitarra vermelha de captadores enferrujados . Não havia baixista , mas eles não se importavam , tocavam tão alto que eu mal pude ouvir quando Tânia disse que precisava ir ao banheiro .

- Banheiro – disse ela .

**

The killer awoke before dawn, he put his boots on

He took a face from the ancient gallery

And he walked on down the hall

He went into the room where his sister lived, and...then he

Paid a visit to his brother, and then he

He walked on down the hall, and

And he came to a door...and he looked inside

"Father ?", "yes son", "I want to kill you"

"Mother I want to fuck you"

C'mon baby, take a chance with us

And meet me at the back of the blue bus

Doin' a blue rock, On a blue bus

Doin' a blue rock, C'mon, yeah

Kill, kill, kill, kill, kill, kill

Lhe fiz um ok , e mesmo sabendo que não ouviria , lhe desejei boa sorte . E porque boa sorte ? Tânia era uma jovem mulher sem adolescência , passou os bons anos de farra e descobertas sinistras nos braços do bom Jesus , se tornando um protótipo de Virgem Maria na esperança de conceber o milagre da vida ao segundo filho de Deus que viria para acabar com a festa que o diabo andava dando a dois mil anos . Pelo menos foi isso que ela me contou numa das festas da Open Night, a revista das revistas no mundo da literatura independente comercial , o que por si só já soa estranho e contraditório . Mas ela era uma escritora cobiçada pelos caras do poder da O.N e parecia tão entediada com toda aquela gente soberba quanto eu . Atravessei o mar de cotovelos e ternos pretos vestindo jeans e camisa xadrez azul . Apertei algumas mãos meladas de gordura de empanados e beijei mulheres cheirando a cigarro de menta . No final de tudo aquilo , no canto do bar improvisado que consistia em uma mesa com garrafas de whisk e licores variados , encontrei Tânia. Escrevia algo num guardanapo quando cheguei . Peguei uma garrafa de conhaque e tomei um trago do bico . Ela não se deu ao trabalho de erguer o rosto quando estendi minha mão .

- Prazer , Oliver …

- Sei quem você é .

E foi isso . Não estava trajada para o momento , eramos dois intrusos numa festa de gente bacana , duas tetas cujo nossos editores e agentes se davam ao luxo de sorver .

- Ouvi dizer que esta entrando para o time – Falei , me sentando numa cadeira plástica ao seu lado .

Ela me passou o tal guardanapo . Li o que estava escrito nele .

***

'' Estendo minha língua para recolher algumas gotículas de chuva , mas recolho rápido , poderia ser a água suja da calha , em todo caso , queria mesmo sua boca na minha , para satisfazer essa língua que não se contenta com seu casulo úmido dentro de mim . ''

- Bem vinda ao time

Falei , lhe esticando a garrafa . Ela entornou a coisa , torceu o rosto e acendeu um baseado .

- Ok – eu disse – acho que vamos nos dar bem , minha cara .

- Provavelmente somos os dois únicos aqui que tem consciência de toda essa merda que anda rolando .

Só concordei sem entender do que realmente ela falava . Tinha o rosto arredondado e cabelos crespos . Vestia uma camiseta preta do Rammstein surrada e tênis All Stars gastos . Depois de outra bola no baseado tentou me passar a coisa . Dispensei , expliquei o quão fraco era para coisa .

- Me mostre um homem sóbrio feliz que eu lhe mostrarei um cu enrugado de um mentiroso

Foi isso que ela disse depois de minha recusa . Apanhei o tal cigarro e foi assim que nos conhecemos .

Minutos depois nada da pizza , mas Tânia retornara e trazia companhia . Uma jovem ruiva e um velho magro de aparência doente . A ruiva , bela e bem feita , olhos claros e seios pequenos ; o velho , magro de pernas longas , um pouco arcado para frente .

- Esse pessoal tem algo fascinante para nos contar , Oliver . Na verdade eu já ouvi a historia toda . O garçom finalmente apareceu com a pizza , mas eu já havia desistido . Ele quis saber quem pagaria a conta .

- Estamos esperando já faz quase uma hora , e a casa nem esta assim tão cheia . Chame o gerente , preciso conversar com ele .

- Ok , mas esperem aqui .

O garçom deu meia volta com a coisa na mão e nos demos o fora . A culpa não era dele , nem nossa , mas sobrou para o pobre diabo dar explicações , mas ele tinha provas de que realmente estávamos ali , e o pessoal da mesa ao lado ouviu quando pedi para chamar o gerente e viu quando saímos . No final das contas , o garçom seria inocentado e nos declarados caloteiros .

Entramos no velho Ford e demos a volta no quarteirão. O velho magro segurava as mãos da jovem ruiva que olhava admirada para as casas , o farol vermelho e a luz que refletia no asfalto úmido por causa da chuva . Estacionei de frente para uma farmácia . Nossos dois passageiros sentados no banco de trás nada disseram . A jovem ruiva parecia sentir frio e estremeceu quando uma brisa invadiu o carro . Subi os vidros .

- Bom , acho que temos de ajudar esse pessoal , Oliver- disse Tânia .

- E quem é que nos ajuda ?

- Estou falando sério . Esta garota esta mal , temos de leva la logo para casa , olhe só para isso .

Tânia apanhou o braço da garota e me mostrou . Tinha algo de errado com ele , isso era fato . Era como se sua pele estivesse se descamando , e quando ela começou a engasgar , como se sentisse falta de ar , o velho lhe virou uma garrafa de água na cabeça .

- Precisamos ir ! – disse ele .

- Ok , legal . Estamos de frente para uma farmácia , talvez alguém aqui saiba o que fazer .

Quando ia sair do carro Tânia me puxou de volta . O velho murmurou que precisávamos chegar no mar antes de amanhecer . Olhei no relógio , eram onze e meia da noite .

- Oliver , ela é uma sereia !

Me disse Tânia , seria , ou tão seria quanto seu rosto louco poderia ficar . Franzi a testa . Olhei para dupla no banco traseiro e a garota começou a engasgar novamente , e outra vez o homem lhe jogou um puco de água na cabeça . Meu banco estava ficando ensopado , mas era obvio que aquele dupla tinha problemas mais sérios .

- Tânia , como assim sereia ?

- Já ouviu falar de Ariel ?

- A Pequena Sereia ?

- Bom , essa mocinha , é tipo isso .

- Tânia , esse pessoal te deu alguma coisa bem forte ou lhe bateram na cabeça ?

O velho tomou a palavra . Disse que era um pescador , vivia sozinho em casa , a esposa o deixara e os filhos não queriam mais saber dele , agora que já não rendia mais nada . Sendo assim , certa manha , já morando na cidade , foi ao mercado de peixe . No mercado encontrou essa garota , a ruiva, conversando com as sardinhas . A pobrezinha vestia trapos sujos e fedia a peixe , também, tinha um pouco das tripas dos animais preso ao cabelo . Perguntou para um dos sujeitos ali qual era o problema da jovem .

- É louca

Foi tudo o que disseram .

- E vocês a deixam ai ?

- O que queria que fizéssemos ? Além do mais , ela não nos causa problemas , e desde que chegou as vendas aumentaram .

Segundo o que o rapas contou ao velho , o pessoal ia lá , homens , atraídos pela historia de que uma nova rapariga chegara ao mercado , onde além dos peixes era possível conseguir uma foda barata com alguma rampeira desempregada. No final das contas , depois que sacavam que se tratava de uma louca a deixavam em paz e para dar uma explicação as esposas compravam peixe .

- Não sei não , ela só me parece um pouco excêntrica . Qual o mal nisso ?

Então o velho foi aconselhado a ir conversar com a garota .

- Oliver , certo ? - se dirigiu o velho para mim – E não é que quando vou conversar com a jovem , ela me pega uma sardinha e pede que eu a beije . Bolas , isso me pareceu excêntrico , mas não foi tudo . Veio com um papo de que era uma sereia , que fugira de casa para encontrar seu príncipe . Acabei sentindo pena da pobrezinha e resolvi a levar para casa . Se ninguém procurasse por ela , poderia viver comigo , poderia cuidar das louças , da cama , da comida . Em troca eu lhe daria um teto .

- Uma escrava branca ? - Indaguei

A ruiva mantinha os olhos vidrados nas luzes , estava em transe , parecia que tinha sido acometida por um grande trauma . Perguntei ao velho o que fizera com ela .

- Tive de lhe dar LSD meu chapa . Foi a única forma que encontrei de sair do seu encanto .

- Encanto ?

- Sereias , o canto das sereias !

Isso era demais .

- Tânia , e você acreditou nesse papo ?

- Oliver , foi você quem veio com o papo da poeta morta e possessões demoníacas . Isso me parece bem mais aceitável .

- POR DEUS , MULHER ! Estamos falando de sereias !

A garota tornou a estremecer , a água da garrafa do velho havia acabado . Parecia que estava tendo um ataque epilético .

- Por deus , ajudem , ela vai morrer ! - Disse o velho , desesperado .

- Oliver , faça alguma coisa , ela vai morrer ! - Disse Tânia insanamente .

- Porra , hoje nenhuma sereia morre na porra do meu carro !

Saltei do velho Ford e puxei a garota pra rua , a deixei estendida no estacionamento da farmácia , a chuva caia sobre si quando alguém saiu de dentro vestindo branco correu ao nosso encontro . Ofereceu ajuda .

- Qual o problema dessa garota , precisam de uma ambulância ?

- Cara , segundo aquele pessoal ali no meu carro , ela só precisa de água .

- Desidratação ?

O velho saiu do carro , disse que não tínhamos tempo a perder . O cara de branco , talvez um farmacêutico , insistiu , e por um momento ameaçou chamar a policia. Quando já estávamos dentro do carro , o vi apanhando o celular . Sendo assim , seguimos em direção a praia . O lance era o seguinte , a garota havia pedido para a feiticeira dos sete mares lhe dar pernas e tempo o suficiente para que encontrasse seu príncipe em terra . Sete dias , segundo o velho , e caso não voltasse para o mar antes disso , morreria . Uma historia absurda , mesmo assim Tânia me forçou dirigir até a praia . Chegamos nela as quatro da manha e a encontramos deserta e escura . A única luz que clareava a areia era a do farol do carro , uma grande língua de luz , e vi quando o velho puxou a garota pela margem e a despiu .

- Meu deus , mulher , ele vai matar a garota ! - Falei , encostado no capo quente do carro .

Tânia acendeu um baseado , deu uma boa bola e pediu que eu relaxar .

- Não se esqueça , Oliver . Eu e você sacamos demais das coisas , somos os únicos que sacam toda essa merda que anda rolando , então , relaxe e fume .

Quando velho se despiu e deitou sobre a ruiva eu relaxei . Dei uma bola e relaxei …

** The Doors - The End

*** Madrugada , Sua Puta -Edivana Berganton

11/12/2014

16h12m

Para a personagem mais real que conheço .

Edivana ...

Cleber Inacio
Enviado por Cleber Inacio em 11/12/2014
Código do texto: T5066304
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