Era Natal

Depois de horas de preparação, tudo estava como ela planejara.

A decoração, embora simples, refletia o ambiente natalino nos enfeites e cores pelo pequeno apartamento.

A mesa fora preparada para dois lugares. No centro um delicado arranjo de flores e ao lado de um dos pratos em pequeno embrulho de presente.

Começara a bordar aqueles lenços de bolso alguns meses antes, para que nesta noite de Natal fossem o presente para seu único filho.

Se vestira com seu melhor vestido, ansiosa para revê-lo depois de meses.

Caminhou até a janela, de onde podia vê-lo chegar.

Observou, na calçada do outro lado da rua, uma mulher que se encolhia na tentativa de se abrigar do vento frio. Depois de alguns segundos, percebeu que ela abraçava o pequeno filho, envolvendo-o em seu próprio casaco. "Ela devia estar em casa", pensou.

Consultou novamente o relógio. O filho estava atrasado.

Na cozinha, retirou da embalagem uma garrafa de vinho e a levou para a mesa. Gastara além do que podia, mas era Natal...

Uma hora depois ainda estava à espera, indo de um lado ao outro, verificando inúmeras vezes o que tinha preparado.

Enquanto aquecia a água para um chá, voltou até a janela.

Apesar do frio, a mulher continuava no mesmo lugar, ainda segurando a criança. Inesperadamente, levantou a cabeça e a encarou curiosa. Olharam-se por alguns minutos, uma comunicação muda e compreensível apenas às mães.

"Ela precisa de um chá..."

Desceu rapidamente as escadas, abriu a pesada porta e acenou chamando-os para dentro. A mulher pareceu hesitar por um momento, mas apertando ainda mais o filho, atravessou a rua com cuidado e se aproximou.

Subiram ao apartamento em silêncio, ela na frente, com passos apressados. No calor da sala mostrou o surrado sofá, enquanto servia duas xícaras de chá e colocava na mesinha ao lado. Para a criança trouxe uma manta de lã que fora do filho, e por anos era guardada na gaveta do quarto.

Sentadas lado a lado, se tornaram amigas nesta noite de Natal.

Dividiram o chá e depois o jantar. Falaram de vidas diferentes e dores iguais, filhos que vem e vão, companheiros que não iriam voltar...

O magro menino dormia pesadamente no sofá, como se sonhasse nesta noite, que é também das crianças, com luzes e presentes que viriam.

Quando os primeiros raios de sol atravessaram a janela, ela guardou o presente que preparara, desfez a mesa e observou triste seus dois visitantes. Ambos dormiam abraçados no sofá, indiferentes ao desconforto, mas aquecidos e protegidos.

Pensou em descansar um pouco. Deitou-se vestida, puxando as cobertas e fechando os olhos. Lembrou do filho, e de quantas vezes seria capaz de perdoar e esperá-lo chegar.

Não sabe quanto tempo dormiu, mas acordou se sentindo revigorada e tranquila. Alguém caminhava na sala, e isso a lembrou que tinha companhia, por isso se levantou rapidamente.

O menino estava à janela, acenando para alguém na rua. Curiosa se aproximou, vendo a mulher já longe, fugindo rapidamente.

Não precisava de explicação... era Natal.

Soraya Souto
Enviado por Soraya Souto em 18/12/2014
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