No elevador, o amor

Aquela sexta chuvosa, fria, sombria e cinzenta seria como outra qualquer, repetição de várias, não traria nenhuma grande mudança na vida de Carlos. Pelo menos era assim que ele pensava e com certa impaciência enxergava sua própria vida, seu atual momento. Iria subir por aquele elevador por mais uma vez, não tinha na cabeça nada mais que pensamentos que o levassem a certo desestímulo, rotina, obrigações a cumprir. Alguns acontecimentos recentes o fizeram desacreditar em si mesmo, tentar não mais recorrer aos mesmos erros, desacelerar, frear, sossegar. Tudo aquilo iria por terra alguns segundos depois.

Cristina estava resignada, iria tentar seguir em frente, conseguir independência, seria forte, afinal prometia tudo isso a si mesma. Tinha ainda um monte de perguntas na cabeça, só perguntas, as respostas não chegariam claras por enquanto. Queria muito saber por que seu marido a abandonara dois meses atrás. Sumiu sem explicação, deixando-a em estado de choque a ponto de financiar uma organizada investigação quanto a seu paradeiro. Descobriu que ele estava vivendo com outra família. Tinha ganhado desde então a sensação de ser rejeitada e acreditava que não seria mais desejada por outro homem. Não sabia por que, mas ainda amava seu marido e havia decidido continuar usando sua aliança na esperança de tê-lo de volta e não ser abordada por outros homens, seria difícil, pois possuía belos, lisos e compridos cabelos loiros, que formavam com um tão igualmente belo corpo, uma lindíssima mulher. Esperava o elevador em seu novo emprego pela primeira vez.

Eram 23 andares, o seu era o 17º, mas o elevador parecia descer, o que lhe deixava um pouco contrariado. Seu humor não era dos melhores, Carlos vinha do 13º onde parara para um breve lanche. Essa descida ao térreo não estava nos seus planos, nem muito menos a surpresa que teria. As portas do elevador se abriam e mostravam a ele o que realmente poderia significar a palavra beleza. Ouvia um “boa tarde” e o retribuiria enquanto seus olhos tentavam guardar todos aqueles breves minutos em sua memória. O elevador pararia logo, quatro andares acima apenas: foi o que pode desfrutar de uma das visões mais lindas de sua vida.

Chegava então Cristina ao momento em que tentaria se reerguer. Estava surpresa com a grandeza daquele prédio, tentava imaginar quanta gente trabalhava ali. Dedicou-se bastante àquele dia, de uma maneira que o que não se relacionasse com seu possível sucesso no primeiro contato com o trabalho passaria facilmente despercebido. Aquele que o acompanhou no elevador, seus olhos que pareciam querer falar-lhe alguma coisa, seriam rapidamente esquecidos.

Carlos agradecia a sorte de poder ir para casa, só subiria para chamar seu irmão que ali também trabalhava, depois daquilo que lhe pareceu uma aparição de um anjo, ou de algum ser encantado. Não conseguia tirar aquelas imagens da cabeça, tinha que saber mais sobre ela, aquele acontecido apenas começava a o deixar obcecado. Pensava em como se aproximar, como vencer sua maior inimiga fiel. Sua timidez, que tão regularmente o atrapalhava. Por enquanto decidiu que começaria por descobrir mais sobre seu “anjo” de lindos cabelos loiros.

O fim de semana foi muito longo, pelo menos para Carlos, na cabeça o mesmo insistente pensamento e a mesma falta de informação, apenas imagens, e que imagens. Entrava novamente naquele elevador, da mesma forma como na outra vez, vindo do 13º, e novamente o elevador parecia descer, agora para sua alegria. E então tudo se repetiria de modo igual. Chegava ao seu andar com o pensamento de que não conseguiria aproximar-se dela, não conseguia enxergar como, ela parecia mostrar-se pouco interessada em qualquer contato com ele. Só trocavam um seco boa tarde, enquanto Carlos fazia-se inconscientemente indiferente a companhia daquela linda mulher. Sempre se perguntava por que agia assim, mas não conseguia mudar, era como se fosse uma defesa, ou estratégia, que não era nada eficiente.

Cristina ia pelos corredores tentando entender o quanto aquele rapaz era tão frio e seco com ela, mas logo logo viam outros pensamentos, não costumava gastar muitos minutos pensando nisso. Havia gostado do primeiro dia e tentaria demonstrar ainda mais confiança no segundo, esperava entrosar-se cada vez mais com seus novos colegas e com seu novo ambiente de trabalho.

Era já noite daquela segunda-feira quando Carlos resolvia dar seu dia por encerrado, aceleraria o tempo caso tivesse tal poder, já que desejava tão rápido fosse possível rever aquela que não saía mais de sua cabeça. Teria sempre a sorte de encontrá-la no elevador? Isso o preocupava, não queria depender da sorte. Adormecido estava quando via uma imagem de um elevador, nele alguém que lhe esperava, linda como sempre, perguntava-lhe algo que não conseguia ouvir, pelo menos da primeira vez, esforçava-se para escutar enquanto ela repetia, mas era acordado de seu sonho por um forte estrondo. Mais uma batida de carro, onde algum apressadinho não obedecia aos limites de velocidade.

Dias e dias se passaram, Cristina e Carlos encontraram-se diversas vezes e nada mudou desde aquela primeira vez. Carlos estava inquieto, mas finalmente a encontrava em um lugar diferente, ela estava na fila de onde ele lanchava todos os dias. Estava um pouco à frente, ele podia vê-la, admirá-la com o cuidado de não ser notado. Não sabia ele o que iria notar. Uma jóia leve, pequena, mas que faria um estrago em todos os seus anseios. Sim, era uma aliança que ele veria pela primeira vez, e na mão esquerda. Ia Carlos para casa decepcionado com sua sorte.

A cabeça era uma cachoeira de pensamentos, revisava tudo aquilo que sonhou, imaginou, ensaiou e arrancava então uma folha de sua pequena caderneta onde anotava só o que não poderia nunca esquecer. Escrevia, pensava, escrevia, passando frases assim que viam a sua cabeça. Escreveu: Preciso namorar você, e abaixo um poema que dizia:

Uma porta se abriu

E um lindo anjo se viu

No elevador me acompanhava

Uma visão que encantava

Meu coração já era seu

Minha timidez o prendeu

Uma decepção se percebeu

E um sonho logo morreu

Surpreendeu-se consigo mesmo, já que nunca tinha escrito nada parecido, nem nunca havia notado talento para tal coisa. Dormiu daquele jeito, nem banho tomou.

Amanhecia e Carlos via-se obrigado a continuar sua rotina, mas decidiria tentar descobrir mais sobre aquela encantadora mulher, pois não entendia como poderia ela ser casada, já que sempre estava sozinha. Passado o seu dia de trabalho, deixou seu irmão em casa e em seguida retornou mais tarde na hora em que sua amada sairia também. Seguiu-a e viu quando parou em um barzinho que possuía mesas também do lado de fora, em cima da calçada, bem próximo onde os carros passavam. Ela e duas amigas conversavam animadamente. Ele observava de perto, admirava-a até que voltou a ver um carro do qual se lembrava, mas não sabia de onde. Vinha rápido e na direção delas, que por sua vez não percebiam o perigo. Não teve dúvidas, correu e pulou, conseguindo livrá-las daquele carro desgovernado, mas não obteve êxito em salvar a si mesmo. Aquele carro, o mesmo da batida que antes interrompeu o agradável sonho de Carlos, vinha de tal maneira porque depois de muita velocidade atingir tinha desviado de um ônibus que lhe fechou a passagem. A cor vermelha era estranha para quem olhava, mas foi ela que desenhou aquele cenário de tragédia.

Cristina não entendia o que estava acontecendo, sabia que já havia visto aqueles olhos, não lembrava onde, mas era como se visse alguém que convivesse constantemente. Ao lado daquele corpo via um papel, que parecia ter sido amassado com toda força. Começou a chorar quando leu e ao mesmo tempo lembrou-se daquela expressão, daqueles olhos, agora podia entender melhor tudo. Decidida, depois daquilo tudo resolveu investigar melhor o paradeiro de seu marido e soube que ele tinha morrido há pouco. Pôs aquele papel em uma pequena moldura, em um lugar de sua casa onde podia vê-la todos os dias. Olhava e sempre tinha a certeza que de certa forma tinha nascido novamente ali, voltava a gostar de si mesma, não deixaria mais o passado impedi-la de viver ou notar o mundo que sempre se renova a sua volta. Talvez viesse a ter saudades daquele seu quase mudo companheiro de elevador...

Frank Santos
Enviado por Frank Santos em 02/06/2007
Reeditado em 13/06/2007
Código do texto: T511115