O PAI

O PAI

Sozinho em casa matava o tempo com recordações.

Janice em Manaus, visitava o filho mais novo que lá morava, trabalhando na Suframa.

Como em outras vezes poderiam ter ido juntos ver o filho, mas ele detestava o calor de Manaus, preferira ficar em casa, tirando proveito do bom clima de Minas.

Vagou pela casa, percorrendo os cômodos amplos, os largos corredores varridos pela brisa perfumada dos jardins engolfada pelos janelões sempre abertos ao sol das manhãs, à brandura das tardes, às noites estreladas.

Organizou nas estantes livros, que, na biblioteca, haviam permanecido nas mesas, depois de consultados para concluir a tradução que fizera de um livro técnico.

Sentia-se contente estando só, podendo apreciar o silêncio da casa, desfrutando apenas do som de antigas canções.

Queria arrastar preguiçosamente os chinelos, deitar-se no gramado ao sol, dormir na rede fosse dia ou noite, sem culpas, sem cuidados, sem perguntas...

Um amigo sabendo-o sozinho, convidou-o para passar alguns dias em sua propriedade rural no interior do estado, distante da balburdia da cidade, lugar tranquilo, onde descansariam da agitação da vida moderna: celulares, computadores... Aceitou o convite prazerosamente. Avisou a Janice que se ausentaria. Encheu uma mochila com roupas despretensiosas, dois ou três livros para distração e pronto para partir, ligou para Lavínia para avisá-la de sua ausência. -“Que bom ouvi-lo, pai; eu pensava falar com você hoje ainda. Estou em Nagoia. Tenho planos de ir para o Brasil dentro de alguns dias. Os voos que partem de Nagoia ou Tóquio vão diretos a S.Paulo. Ainda não sei bem quando posso sair daqui, mas chegando a S.Paulo, embarco na primeira conexão que houver para Belo Horizonte. Falta pouco para nos revermos, pai, estou tão contente! Zhen não se cabe de tanta curiosidade. Saia para seu passeio e volte tranquilo, pois só devo estar ai no dia 20, não antes.”

Simas, o amigo chamou em seguida, avisando que passaria às 16 horas para pega-lo, quando o sol baixasse. “Saindo à tardinha o tempo estará mais fresco, explicou. Chegaremos ao nosso destino por volta das 18 horas, tomaremos um banho relaxante, jantaremos, apreciando enfim o silêncio de uma noite na roça, sem noticiário algum...” concluiu animado. “Espero-o, respondeu, e tenho boas notícias, Lavínia chegará na última semana do mês.”

De malas prontas, relaxado, contente, antecipando o prazer do repouso nos próximos dias e a alegria pela iminente chegada e Lavínia, lembrou-se que ela não dissera “nos”... não pronunciara o nome de Renne durante o diálogo que haviam trocado. Falara da criança, da expectativa de ambos quanto à viagem; estaria Renne excluído? Nas suas fantasias sempre imaginava a presença do genro fora das cogitações. Com egoísmo, desejava ter junto de si a filha sempre querida, a filha que lhe fora tão próxima, amiga, colaboradora, sempre sensível às suas ideias e opiniões. Daniel, o filho mais novo, desde a adolescência se ausentara de casa: em intercâmbios culturais estivera nos Estados Unidos e na Inglaterra; concluindo seus cursos de administração e comércio exterior em universidades brasileiras, fizera pós-graduações, mestrados e especializações sempre no exterior, voltando para casa apenas em datas reservadas às comemorações familiares.

Lavínia, no entanto, estivera sempre presente, próxima dele e de Janice, companheira dedicada em todos os momentos. Tinha sido a alegria e o incentivo para suas inúmeras viagens. Com ele se debruçava sobre os livros, interessava-se por seu trabalho de tradutor, vindo enfim a tornar-se sua colaboradora em várias versões literárias.

Mas essa presença, fiel, apreciada e sempre desejada, se esvaíra. Lavínia se casara e ao fazê-lo, passara a viver distante deles, em outro hemisfério.

A filha ao contata-los não poupava tempo historiando sua vida, as mudanças frequentes de um país para outro; as diferenças encontradas nesses países, cultura, costumes, linguagem... Adaptações, aprendizados, desafios que ela buscava vencer.

Nessas longas conversas descrevia o desenvolvimento do filhinho Zhen , contava de sua saúde, de seu excelente estado físico e intelectual; postava as fotografias do menino sorridente, que sabia cantar canções em vários idiomas. Com entusiasmo ele e Janice compartilhavam esses momentos. Mas esgotado o tempo dessa comunicação à distância, ele se punha a lamentar: amaldiçoava Renne, o genro, a quem culpava por aquela dolorosa separação, zangando-se com Janice, que aceitava serenamente a situação, sem dividir com ele a angústia que o consumia.

Sete anos transcorreram implacáveis, e todo esse tempo não curou nele o desejo de tê-la de volta. Sua esperança, embora incongruente, era que a filha retornasse para junto dele, sem Renne, definitivamente.

Para Janice tais pensamentos eram concebidos como loucura. Ela ponderava que um pai, no seu juízo perfeito, não desejaria ver desfeito o casamento de uma filha, apenas pelo fato de nunca haver aceitado o homem que ela escolhera para companheiro.

Inaceitáveis, intemperantes, insanos fossem seus desejos, ele os contemplava sem pudor ou receio de qualquer julgamento.

No transcorrer daqueles sete anos Lavínia, os visitara três vezes, em uma delas, trazendo o filhinho, Zhen, recém-nascido, para que o conhecessem.

Felicitava-se por Renne, nessas três visitas, ter-se demorado pouco, tendo partido, premido pelas urgências do trabalho que desenvolvia. A presença do marido de Lavínia incomodava-o; mostrava-se cortês, atencioso, embora no coração a geleira da incompatibilidade o impedisse de retribuir, com alegria e espontaneidade à delicadeza com que o genro o tratava.

Janice atravessara, mais de uma vez, meio mundo para revê-los. Ele se abstivera de aceitar os inúmeros convites recebidos. Sua decisão foi manter-se distante, apesar de todo o afeto nutrido pela filha, apesar de todas as saudades por ela sentidas, saudades essas amortalhadas pela rejeição alimentada por Renne.

Foi apreciar a extensa galeria de retratos que contavam histórias: ele e Janice, ainda moços, descuidados, queimados de sol, desfrutando as primícias do namoro iniciado naquele verão; fotos antigas recordavam tempos passados na universidade; comemorações de aniversários... Encontros com amigos... Fotos de seu noivado com Janice: (os pais de ambos tão formais, fotografados em preto e branco;) fotos de seu casamento, com a alegre presença de parentes e muitos convidados; os dois dançando a valsa dos noivos; a viagem de lua de mel... Fotos de seus passeios... Ruas de Paris, Notre Dame, Jardim das Tulherias...

Uma sequência de fotos dos filhos, Lavínia e Daniel: recém-nascidos... Nos primeiros meses de vida... Nas festas de aniversários... Nos eventos escolares... Nas formaturas... Fotos compartilhadas com amigos... Variadas fantasias em bailes de carnaval... Lavínia e seus namoradinhos; Daniel num campeonato de natação, fotografado recebendo a medalha de prata; de novo Daniel fotografado com a perna engessada, depois de um tombo na quadra de basquete. Vendo tudo isso, recordou, divertiu-se.

As fotos que vinham a seguir, sempre o deprimiam... (Ouviu intimamente a voz de Janice repreendendo-o: “Você continua o mesmo tolo. Lembre-se de que Lavínia se casou com o homem que escolheu e com certeza é feliz. Vive distante de nós, paciência! A profissão do marido assim o exige. Ela nunca se queixou... Suas manifestações são de contentamento e segurança. Você se antipatizou gratuitamente com o rapaz e continua, apesar dos anos, a cultivar esse mau sentimento. Acha que eu não desejo conviver com meu único neto? Quero isso de todo coração, mas posso esperar pelo momento certo de tê-lo comigo...”) Evitando olhar as fotos, reviu em lembrança, como na projeção de um filme, as cenas do casamento de Lavínia: o cerimonial acontecido num luxuoso salão de festas, as flores exóticas da ornamentação; recordou o coro de vozes entoando sublime cantata; resgatou na memória Lavínia vestida no rico traje de noiva, rebordado com cristais Sworovsky e pérolas. Naquele dia, destacando-se com sua beleza incomparável, ela irradiava felicidade.

Havia-lhe segurado a mão enquanto caminhavam para a benção do casamento; Lavínia, confiante, ia sendo levada por ele ao altar, os dedos dela entrelaçados aos seus. Naquele dia com desgosto e má vontade, a entregara àquele a quem ela elegera como companheiro. Fugindo das lembranças, deixou o vestíbulo e seu painel de fotos. Desceu ao quintal, e entre as laranjeiras floridas, distraiu-se com o zumbir das abelhas e o trinar dos pássaros.

Entretanto já era refém das reconstruções da memória, e por elas transportou-se ao passado, recordando o tempo em que Lavínia ali vivia, com ele e Janice. (Naquela época Daniel fazia um curso de especialização na Europa). Janice dedicava-se a pintura em tela, no estúdio onde se entregava às suas criações. Lavínia, embora graduada em jornalismo, por ser versada em línguas estrangeiras, ocupava-se em fazer traduções, assim como ele. Cortejados por muitas amizades, tinham então uma movimentada vida social.

Lavínia vivia alegremente sua existência: moça independente, cercada de amigos, cobiçada por jovens enamorados, a quem ela ia descartando ao longo do tempo, sem se comprometer. Aos 25 anos dizia-se imatura para entabular namoros sérios, noivar e chegar ao casamento. Assim sendo, seus namoricos não passavam mesmo de namoricos...

Recordou-se como viviam então, cultivando seus dias sem desassossegos, repartindo trabalho e lazer. As editoras solicitavam sua colaboração em traduções técnicas e científicas que eram seu forte. Em se tratando de literatura, romance, crônica, poesia, quando apresentadas para tradução ele as dividia com Lavínia, que se dedicava àquele tipo de versão com facilidade extraordinária. Sem sofrer a angústia comum aos tradutores de não conseguir quebrar a barreira do enunciado proposto pelo autor, na língua original, Lavínia tinha a felicidade de penetrar-lhe o sentido, conseguindo levar ao leitor uma tradução afortunada. Em Lavínia essa fácil intimidade com a linguagem, levavam-no a refletir sobre um pequeno texto de Ricoeur, em seu ensaio: “UMA PASSAGEM, TRADUZIR O INTRADUZÍVEL”, contido na coletânea “ SOBRE A TRADUÇÃO”, quando o autor comenta a dificuldade do tradutor em conseguir realizar seu trabalho, assombrado pelo desejo da tradução perfeita-. Contrariando o comentário de Ricoeur, a filha conduzia suas versões com inspirada serenidade, sem sentir-se ameaçada de fracasso.

Não lhes causou surpresa o convite para a recepção e o baile que se realizariam no salão nobre de um importante clube da cidade, homenageando um escritor estrangeiro que visitava o Brasil, (com a parceria de Lavínia ele havia traduzido dois de seus livros). O homenageado sobressaia-se na Europa por seus sucessos literários

A festa realizou-se com o rigor e a pompa, esperados pelos organizadores. Durante esse baile como em tantos outros, Lavínia expandia alegria e vivacidade. Pares nas danças nunca lhe faltavam. Ele e Janice alegremente observavam-na em seus volteios pelo salão.

Voltando à mesa para junto deles, ela vinha descansar, bebericar uma taça de vinho, fugindo da agitação; mas logo era solicitada para outra dança ao embalo da música fremente. Entre outros que vinham requisita-la, naquela noite, alguém se destacou pela frequência com que repetia seus convites, mantendo-se junto dela, até mesmo durante os intervalos de descanso da orquestra.

Ele e Janice observando o fato, o haviam comentado com a filha. “Chama-se Renne, ela lhes disse. Veio da Áustria, especialmente para esta festa acompanhando um embaixador de quem é afilhado, explicou.”

Num outro momento Lavínia lhes havia apresentado Renne, um homem educado e cortês. Parecia talvez um pouco sofisticado, vestindo sua elegante roupa de cerimônia. De boa estatura e porte atlético, movia-se com desembaraço. Trazia no rosto uma barba bem curta num estilo moderno; seus olhos muito negros eram atentos, cautelosos.

A madrugada encontrou-os deixando os salões do clube, terminada a festa. Enquanto manobrava o automóvel no estacionamento repleto, viu aproximar-se o jovem, (aquele que se mantivera junto a Lavínia durante o baile) procurando-os, apreensivo; nas mãos trazia as sandálias deixadas por Lavínia sob a mesa no salão. Era um hábito de Lavínia, quando os pés lhe doíam, em qualquer ocasião, descalçar-se, e, distraída, quase sempre ficavam para trás os incômodos sapatos. Não havia jeito de lhe corrigir o costume: por essa causa inúmeros pares de calçados haviam-se perdido, abandonados, esquecidos onde ela os retirava para alívio dos pés.

Lavínia ao dar-se conta da aproximação de Renne, sorrindo, saiu do automóvel, tomou dele as sandálias e as largou displicentemente no chão do carro; trocou com Renne meia dúzia de palavras em “staccato”. Ele tomou-lhe a mão, elegantemente beijou-lhe os dedos, enquanto ajudava-a reacomodar-se na poltrona. Com um breve aceno, despediu-se dele e de Janice. Retomando a manobra interrompida para retirar-se do local, observou pelo retrovisor o último olhar que trocaram, e uma onda de contrariedade o invadiu. Irritado, tão logo se livrou do trafego confuso nas imediações do clube, admoestou a filha: - Quando vai se lembrar de trazer os sapatos quando os tirar em público, e não deixar isso a cargo de outras pessoas que pouco conhecemos?

(Pressentiu o sorriso zombeteiro e silencioso de Janice, o sorriso que ela sempre estampava diante de suas observações, ao julga-las descabidas e inúteis); com desgosto, ouviu-lhe o muxoxo de desdém; sentiu o toque de seu cotovelo, como uma advertência, e, de imediato, seu comentário totalmente descabido, irritando-o ainda mais: - Lembrei-me da história dos sapatinhos de cristal... um príncipe sai à procura de uma princesa levando seus sapatos... - Não aconteceu assim na história, mãe, retorquiu Lavínia, com voz sonolenta: o príncipe percorreu todo o reino, experimentando nas moças o sapatinho de cristal, perdido pela Gata Borralheira ao fugir da festa à meia noite. – Ah, Janice completou: hoje o príncipe sabia a quem pertenciam os sapatos... Dizendo isso ela o havia afagado, desprezando seu silencioso mau humor; depois com um suspiro, deitou a cabeça no seu ombro, entregando-se a um cochilo até chegarem a casa, ignorando sua exasperação.

Talvez o “príncipe”, (julgado por ele, um indesejado), logo voltasse a Austria. No entanto, nos dias que se sucederam, os encontros entre Renne e Lavínia tornaram-se constantes. Passeios, almoços, e toda a sorte de divertimentos tirados por Lavínia de sua cartola de mágico. Observando a sua chegada desses passeios, havia reparado que Renne, com frequência, vinha trazendo os sapatos que Lavínia abandonava quando os tirava dos pés. Nada o deixava tão irritado como aquilo, ainda que não pudesse explicar o porquê de tal sentimento.

Finalmente aproximando-se a data da partida de Renne, como um último desafio ao seu desgosto, programou-se um jantar de despedida com o esplendor com que Lavínia e Janice coroavam seus jantares. No evento muniu-se da sua maior paciência; resignado, desdobrou-se em gentilezas. Naquele jantar constatou as qualidades de Renne: admirou sua postura atenciosa, sua inteligência, emitindo opiniões objetivas, demonstrando um conhecimento seguro do trabalho que exercia. Não era um grande palrador, mas respondia com clareza às inquirições que lhe eram feitas. Entretanto, apesar de reconhecer aqueles atributos, não logrou demolir seu inexplicável sentimento de rejeição pelo jovem. Já se cansara de ouvir os panegíricos a ele feitos por Janice: Renne era bacharel em Relações Internacionais, função que realizava na sua amplitude, trafegando entre ministérios, consulados, atuando em grandes empresas e bancos nos diversos países da Europa e mesmo da Ásia. Nascido na França, filho de pai francês, e de mãe brasileira, usufruía de ambas as nacionalidades. Havia acompanhado o pai quando esse atuava como adido de embaixadas, morando no Brasil por vários anos; aqui completara seus estudos universitários. Além das línguas inglesa e francesa, conhecia alemão, russo, árabe, nunca se esquecendo do português ou do espanhol. Qualidades que exaltavam a admiração de Janice pelo jovem, que aos trinta anos trafegava entre altos executivos, analisando, avaliando, investigando mercados, possibilitando negócios e aconselhando investimentos no exterior. Mas para ele, essas qualidades eram apenas detalhes. Ele via Renne, como um predador, um antagonista, interpondo-se entre ele e a filha Lavínia, apartando-os, minando, removendo subconscientemente a sua proximidade; quebrando a parceria tão habilmente cultivada entre eles... Jamais a filha havia demonstrado tal interesse por qualquer de seus admiradores. Talvez, porque, esse admirador ao partir para outro hemisfério, os sentimentos se arrefecessem pela distancia, ela procurasse cultivar boas lembranças. Mas não lhe escapava o vívido interesse de Renne por Lavínia. Seus olhos muito negros seguiam-na apaixonados, cobiçosos, expondo uma ardência de sentimentos, ainda não de todo confessados. Queixou-se com Janice, falou-lhe de seu desgosto. Ela rira seu riso fácil: - Quantas tolices você imagina, meu querido. Não aceita a ideia de que Lavínia um dia possa apaixonar-se, e casar-se. Nada poderá impedir isso, nem você! Se não for Renne, o eleito será outro. A preferência dela será soberana. Lembre-se: a nossos filhos é nosso dever, guia-los, educa-los, prepara-los para a vida, e entrega-los um dia aos seus destinos. Cabe-nos apenas lhes desejar felicidade. (Havia-se calado, intimidado com o pragmatismo de Janice). Mas continuou a olhar Renne com antipatia e desconfiança; sua ausência não lhe trouxe alívio. A comunicação à distância entre os dois namorados foi diária, constante. O tempo rolou; três meses se passaram e logo, como num passe de mágica, férias a gozar o trouxeram de volta, à ciranda dos programas inimagináveis, aos jogos de tênis, às tardes passadas nos clubes, aos almoços nos shoppings, aos passeios e festas que se multiplicavam.

Reconheceu que Lavínia tinha, por aquele homem, interesses e sentimentos, nunca antes demonstrados por qualquer outro. Renne mantinha-a cativa como num encantamento... Na presença dele ela transpirava sensualidade. Entregava-se nos gestos, na emoção do olhar...

Ele transmitia essas observações a Janice que o embaraçava com uma indulgência sorridente, ou com uma crítica acerba ao seu sectarismo diante de um fato perfeitamente natural.

Via Lavínia tão pouco nessa ocasião, que era como se ela não vivesse mais ali. Findos os dias das intermináveis férias, despediram-se; outro jantar foi servido com todo o aparato da melhor cozinha.

Contas feitas, não se haviam passado três meses desde o baile, em que Lavínia e Renne, haviam-se encontrado, iniciando aquele apego, para ele intolerável. Pressentiu um perigo iminente, vendo crescer em Lavínia o interesse por aquele homem, que, mesmo distante, fazia-a vibrar, alegrar-se, tornar-se inquieta, distraída e ausente de tudo o mais que a cercava, enquanto se comunicavam todos os dias, repetidas vezes.

Sem conter-se, não escondia seu desgosto. Janice detestava ouvi-lo queixar-se, e ele se fechou num mutismo de revolta.

Sentia no ar a proximidade de algo semelhante a uma catástrofe.

Suas cismas não falharam: a notícia explodiu em seus ouvidos quando ele já a havia sentido em todos os poros. A data do aniversário de Lavínia aproximava-se; dias antes Janice anunciou a chegada de Renne, desta vez, acompanhado do cônsul, seu padrinho. – A que vem o cônsul? -indagou, cheio de ira, desejando não ouvir a resposta. – Aproveitando o aniversário de Lavínia, o cônsul vem oficializar o pedido... – Pedido... pedido... Janice, você está falando por enigmas, explique-se, por favor. – Querido, ela disparou, não se faça de desentendido; Lavínia e Renne já se comprometeram; a presença do cônsul é para confirmar oficialmente o desejo deles de se unirem pelo casamento.

Havia-se deixado cair sobre uma cadeira, atônito. Um eco indistinto repetia em seus ouvidos: ”já se prometeram... desejo de se unirem...” – Janice, você está dizendo que nossa filha, Lavínia, está pensando em casar-se? – Sim, são esses seus planos para breve, isto é, Janice completou: - Não tão breve, planejam para o próximo ano, penso eu... Ele havia-se levantado da cadeira e saído do quarto sem fazer qualquer comentário. Sentiu-se totalmente arrasado com a notícia. Tristeza e revolta o sucumbiram. Passou dias lutando com seus sentimentos desconcertados, flagelado pelo desespero, incapaz de manter um diálogo com quem quer que fosse. Encerrou-se na biblioteca, entregou-se ao trabalho exaustivo de uma tradução complicada, tentando fugir da realidade, tentando esquecer-se de si mesmo. Inarredavelmente chegou o dia do aniversário da filha; oficializou-se o noivado com a presença cerimoniosa do cônsul, pronunciando um discurso no pedido, esmerando-se nos elogios feitos ao afilhado .

O ano do noivado rolou, sepultando na angústia cada um dos seus dias, e ele os contou um a um, assistindo ao seu avanço rumo á data do enlace. Renne voltara à Europa dias após a cerimônia do noivado, entretanto, sua presença nas comunicações virtuais, perdurou inapelável...

Havia conversado com a filha, enumerando os perigos que ameaçavam o sucesso de um casamento realizado sem as bases firmes de uma convivência mais demorada, a troca de conhecimentos, elaboração de planos... Afinal, após o casamento ela e o marido iriam viver em outro hemisfério, ela, mudando radicalmente seus hábitos, apartada dos pais, junto aos quais vivera toda uma existência. Ela o ouviu, atentamente, mas, sem grandes discursões, manteve inabalável, sua decisão. Diante disso, deu-se por vencido; inconformado com o inevitável, entregou-se a um mutismo de indiferença; quando as conversas envolviam planejamentos e decisões para o acontecimento fazia-se de desentendido.

( Simas, seu amigo, veio busca-lo para a viagem, no fim da tarde. Os dias de descanso na fazenda passaram-se céleres.)

Em casa, novamente, retomou os contatos com Lavínia. Ainda em Nagoia, ela fazia os últimos acertos para a partida. – Pai, ela contou: Tenho feito algumas traduções de livros desconhecidos no Brasil. São obras de escritores japoneses, explorando temas de uma beleza incomparável, já vertidos para a língua inglesa... Chegando aí poderemos tentar conseguir a publicação; acho que haverá uma demanda de licenciamento... Bem... Teremos tempo para discutir isso... Estou ansiosa por estar com vocês. Quando mamãe volta de Manaus?

Comunicavam-se todos os dias. Pelas observações ouvidas de Lavínia, ele deduzia que sua volta parecia não se tratar apenas de um passeio. Havia um quê de definitivo naquele retorno. Ela nunca falava de Renne; contava do entusiasmo de Zhem com os planejamentos; relembrava antigas vivências; fazia referências a trabalhos que haviam realizado como tradutores; de certa forma levantava a hipótese de voltarem a exercer outras parcerias.

Intimamente exultava; agradecia por Janice estar ausente, não podendo, portanto, exaspera-lo com admoestações e críticas aos seus sentimentos. Muitas vezes Janice repetira, que o fato da filha quase nunca falar (com ele) sobre o marido, era por saber que o assunto o irritava.

“Lavínia reconhece, dizia-lhe a esposa, que você nunca aceitou seu casamento; esquiva-se em fazer comentários sobre Renne, para evitar confrontações. Sua indisposição para com o marido lhe é intolerável, entretanto, como boa filha que é, prefere manter o silêncio. Comigo, rematava, Janice, o diálogo é mais livre, mais íntimo. Sei o quanto são felizes.”

Chegou por fim o dia definido para a viagem.

- Irei ao aeroporto encontra-la, prometeu.

- Não faça isso pai... viajo em companhia de um grupo de amigos que se destinam também a essa região. Uma Van já foi reservada para nos levar do aeroporto. Aguarde-me em casa.

No dia aprazado para a chegada deu folga às empregadas. Seu desejo era usufruir o prazer único de receber a filha e o neto sem qualquer presença. Empolgava-o pensar em tê-los com ele com exclusividade imaginando que, quando juntos, ele e Lavínia, como tantas vezes, acontecera, improvisassem o jantar, enquanto trocavam ideias e matavam saudades.

Ruídos de um carro estacionando defronte a casa e um leve toque de buzina e o toque da campainha alertaram-no da chegada. Acionou a abertura do portão, postando-se no alto da escada, ansioso, à espera. Dominava-o a emoção de rever Lavínia transpondo o portão, galgando os degraus da escadaria.

Sons de vozes e risos se ouviam lá fora.

Pelo portão aberto entrou primeiro o menino. Correndo subiu a escada, e, sem inibição, confiante saltou em seus braços.

- Olá avô, disse, com desembaraço.

- Meu querido neto, seja bem-vindo.

O menino era a imagem viva das fotos que Lavínia postara recentemente: os cabelos claros, lisos e bastos, lembravam os da mãe, possuía no rosto, como ela, a mesma cor morena. Entretanto, os olhos que o fitavam, escuros e penetrantes... Ah, eram os olhos do pai. Abraçados como estavam, pode sentir o odor de seus cabelos limpos; suas faces quentes e rosadas cheiravam a chocolate e batatas fritas.

Com uma palmada amigável colocou-o no chão. O menino entrou casa adentro levado por seus passos ligeiros, familiarmente, como se desde sempre a conhecesse.

Lavínia surgiu então a seus olhos. Deteve-se no portão falando com alguém lá fora, acenou uma despedida e iniciou a subida da escada. Banhada pela claridade do sol; ergueu para ele o rosto sorridente; soltos sobre os ombros seus cabelos tinham reflexos dourados. Descalça, galgou agilmente os degraus e de pronto envolveu-o num demorado abraço, afagou-o, beijou-o repetidas vezes, e murmurava: -Pai, pai, quanta saudade!

Como lhe fugissem todas as palavras , ele apenas a sustentou junto a si, ofegante.

Fitaram-se demoradamente, olhos marejados pela emoção, deram-se as mãos e permaneceram frente a frente, sorrindo, enternecidos.

Dois jovens subiram trazendo as malas. Lavínia os apresentou: - Meus amigos, disse. Ele dirigiu-lhes um cumprimento; os rapazes deixaram as malas no vestíbulo e desceram de volta.

Lá de dentro o menino chamou pela mãe. Ela entrou para atender ao chamado. Pensou em juntar-se a eles, quando ouviu o ruído surdo do alarme do portão indicando que o mesmo permanecia aberto. Agora ele deveria descer para cerra-lo, e ia fazê-lo, quando o alarme silenciou.

Surpreendido viu Renne surgir na primeira curva da escada: subia os degraus sem pressa, absorvido na leitura do celular que trazia numa das mãos. Na outra carregava um par de sandálias; pendurada no ombro a pasta do notebook.

O gelo da decepção paralisou-o. Viu desabarem-se suas conjecturas relacionadas à presença de Lavínia. Num átimo reconheceu a tolice de suas fantasias, e os enganos engendrados pela errônea interpretação que fizera das informações da filha.

Enquanto, abismado, tentava refazer-se, Zhen saiu da casa; correndo desceu as escadas, e lançou-se sobre o pai, enlaçando-o pelo pescoço. Assistiu à cena como fosse um ato executado num palco: Renne quase desiquilibrou-se com o salto da criança. Abandonando no chão as sandálias, abraçou o filho, mantendo-o seguro; sorria, ouvindo o que o menino lhe segredava ao ouvido.

Chegando ao patamar, Renne desceu do colo, o menino. Aprumou-se; num gesto rápido consertou o desalinho nas roupas que lhe deixara aquele abraço inesperado, e, amigavelmente, aproximou-se para cumprimenta-lo.

Retribuiu a saudação do genro, com gentileza, apesar de suas emoções devastadas; juntos adentraram a casa com Zhen acompanhando-os, saltitante. Atordoado, viu que era o momento de como bom anfitrião prestar aos hóspedes as merecidas honras: cuidar de acomoda-los, chamar Janice de volta ao lar e encomendar, prontamente, do restaurante um ótimo jantar.

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O PAI

Sozinho em casa matava o tempo com recordações.

Janice em Manaus, visitava o filho mais novo que lá morava, trabalhando na Suframa.

Como em outras vezes poderiam ter ido juntos ver o filho, mas ele detestava o calor de Manaus, preferira ficar em casa, tirando proveito do bom clima de Minas.

Vagou pela casa, percorrendo os cômodos amplos, os largos corredores varridos pela brisa perfumada dos jardins engolfada pelos janelões sempre abertos ao sol das manhãs, à brandura das tardes, às noites estreladas.

Organizou nas estantes livros, que, na biblioteca, haviam permanecido nas mesas, depois de consultados para concluir a tradução que fizera de um livro técnico.

Sentia-se contente estando só, podendo apreciar o silêncio da casa, desfrutando apenas do som de antigas canções.

Queria arrastar preguiçosamente os chinelos, deitar-se no gramado ao sol, dormir na rede fosse dia ou noite, sem culpas, sem cuidados, sem perguntas...

Um amigo sabendo-o sozinho, convidou-o para passar alguns dias em sua propriedade rural no interior do estado, distante da balburdia da cidade, lugar tranquilo, onde descansariam da agitação da vida moderna: celulares, computadores... Aceitou o convite prazerosamente. Avisou a Janice que se ausentaria. Encheu uma mochila com roupas despretensiosas, dois ou três livros para distração e pronto para partir, ligou para Lavínia para avisá-la de sua ausência. -“Que bom ouvi-lo, pai; eu pensava falar com você hoje ainda. Estou em Nagoia. Tenho planos de ir para o Brasil dentro de alguns dias. Os voos que partem de Nagoia ou Tóquio vão diretos a S.Paulo. Ainda não sei bem quando posso sair daqui, mas chegando a S.Paulo, embarco na primeira conexão que houver para Belo Horizonte. Falta pouco para nos revermos, pai, estou tão contente! Zhen não se cabe de tanta curiosidade. Saia para seu passeio e volte tranquilo, pois só devo estar ai no dia 20, não antes.”

Simas, o amigo chamou em seguida, avisando que passaria às 16 horas para pega-lo, quando o sol baixasse. “Saindo à tardinha o tempo estará mais fresco, explicou. Chegaremos ao nosso destino por volta das 18 horas, tomaremos um banho relaxante, jantaremos, apreciando enfim o silêncio de uma noite na roça, sem noticiário algum...” concluiu animado. “Espero-o, respondeu, e tenho boas notícias, Lavínia chegará na última semana do mês.”

De malas prontas, relaxado, contente, antecipando o prazer do repouso nos próximos dias e a alegria pela iminente chegada e Lavínia, lembrou-se que ela não dissera “nos”... não pronunciara o nome de Renne durante o diálogo que haviam trocado. Falara da criança, da expectativa de ambos quanto à viagem; estaria Renne excluído? Nas suas fantasias sempre imaginava a presença do genro fora das cogitações. Com egoísmo, desejava ter junto de si a filha sempre querida, a filha que lhe fora tão próxima, amiga, colaboradora, sempre sensível às suas ideias e opiniões. Daniel, o filho mais novo, desde a adolescência se ausentara de casa: em intercâmbios culturais estivera nos Estados Unidos e na Inglaterra; concluindo seus cursos de administração e comércio exterior em universidades brasileiras, fizera pós-graduações, mestrados e especializações sempre no exterior, voltando para casa apenas em datas reservadas às comemorações familiares.

Lavínia, no entanto, estivera sempre presente, próxima dele e de Janice, companheira dedicada em todos os momentos. Tinha sido a alegria e o incentivo para suas inúmeras viagens. Com ele se debruçava sobre os livros, interessava-se por seu trabalho de tradutor, vindo enfim a tornar-se sua colaboradora em várias versões literárias.

Mas essa presença, fiel, apreciada e sempre desejada, se esvaíra. Lavínia se casara e ao fazê-lo, passara a viver distante deles, em outro hemisfério.

A filha ao contata-los não poupava tempo historiando sua vida, as mudanças frequentes de um país para outro; as diferenças encontradas nesses países, cultura, costumes, linguagem... Adaptações, aprendizados, desafios que ela buscava vencer.

Nessas longas conversas descrevia o desenvolvimento do filhinho Zhen , contava de sua saúde, de seu excelente estado físico e intelectual; postava as fotografias do menino sorridente, que sabia cantar canções em vários idiomas. Com entusiasmo ele e Janice compartilhavam esses momentos. Mas esgotado o tempo dessa comunicação à distância, ele se punha a lamentar: amaldiçoava Renne, o genro, a quem culpava por aquela dolorosa separação, zangando-se com Janice, que aceitava serenamente a situação, sem dividir com ele a angústia que o consumia.

Sete anos transcorreram implacáveis, e todo esse tempo não curou nele o desejo de tê-la de volta. Sua esperança, embora incongruente, era que a filha retornasse para junto dele, sem Renne, definitivamente.

Para Janice tais pensamentos eram concebidos como loucura. Ela ponderava que um pai, no seu juízo perfeito, não desejaria ver desfeito o casamento de uma filha, apenas pelo fato de nunca haver aceitado o homem que ela escolhera para companheiro.

Inaceitáveis, intemperantes, insanos fossem seus desejos, ele os contemplava sem pudor ou receio de qualquer julgamento.

No transcorrer daqueles sete anos Lavínia, os visitara três vezes, em uma delas, trazendo o filhinho, Zhen, recém-nascido, para que o conhecessem.

Felicitava-se por Renne, nessas três visitas, ter-se demorado pouco, tendo partido, premido pelas urgências do trabalho que desenvolvia. A presença do marido de Lavínia incomodava-o; mostrava-se cortês, atencioso, embora no coração a geleira da incompatibilidade o impedisse de retribuir, com alegria e espontaneidade à delicadeza com que o genro o tratava.

Janice atravessara, mais de uma vez, meio mundo para revê-los. Ele se abstivera de aceitar os inúmeros convites recebidos. Sua decisão foi manter-se distante, apesar de todo o afeto nutrido pela filha, apesar de todas as saudades por ela sentidas, saudades essas amortalhadas pela rejeição alimentada por Renne.

Foi apreciar a extensa galeria de retratos que contavam histórias: ele e Janice, ainda moços, descuidados, queimados de sol, desfrutando as primícias do namoro iniciado naquele verão; fotos antigas recordavam tempos passados na universidade; comemorações de aniversários... Encontros com amigos... Fotos de seu noivado com Janice: (os pais de ambos tão formais, fotografados em preto e branco;) fotos de seu casamento, com a alegre presença de parentes e muitos convidados; os dois dançando a valsa dos noivos; a viagem de lua de mel... Fotos de seus passeios... Ruas de Paris, Notre Dame, Jardim das Tulherias...

Uma sequência de fotos dos filhos, Lavínia e Daniel: recém-nascidos... Nos primeiros meses de vida... Nas festas de aniversários... Nos eventos escolares... Nas formaturas... Fotos compartilhadas com amigos... Variadas fantasias em bailes de carnaval... Lavínia e seus namoradinhos; Daniel num campeonato de natação, fotografado recebendo a medalha de prata; de novo Daniel fotografado com a perna engessada, depois de um tombo na quadra de basquete. Vendo tudo isso, recordou, divertiu-se.

As fotos que vinham a seguir, sempre o deprimiam... (Ouviu intimamente a voz de Janice repreendendo-o: “Você continua o mesmo tolo. Lembre-se de que Lavínia se casou com o homem que escolheu e com certeza é feliz. Vive distante de nós, paciência! A profissão do marido assim o exige. Ela nunca se queixou... Suas manifestações são de contentamento e segurança. Você se antipatizou gratuitamente com o rapaz e continua, apesar dos anos, a cultivar esse mau sentimento. Acha que eu não desejo conviver com meu único neto? Quero isso de todo coração, mas posso esperar pelo momento certo de tê-lo comigo...”) Evitando olhar as fotos, reviu em lembrança, como na projeção de um filme, as cenas do casamento de Lavínia: o cerimonial acontecido num luxuoso salão de festas, as flores exóticas da ornamentação; recordou o coro de vozes entoando sublime cantata; resgatou na memória Lavínia vestida no rico traje de noiva, rebordado com cristais Sworovsky e pérolas. Naquele dia, destacando-se com sua beleza incomparável, ela irradiava felicidade.

Havia-lhe segurado a mão enquanto caminhavam para a benção do casamento; Lavínia, confiante, ia sendo levada por ele ao altar, os dedos dela entrelaçados aos seus. Naquele dia com desgosto e má vontade, a entregara àquele a quem ela elegera como companheiro. Fugindo das lembranças, deixou o vestíbulo e seu painel de fotos. Desceu ao quintal, e entre as laranjeiras floridas, distraiu-se com o zumbir das abelhas e o trinar dos pássaros.

Entretanto já era refém das reconstruções da memória, e por elas transportou-se ao passado, recordando o tempo em que Lavínia ali vivia, com ele e Janice. (Naquela época Daniel fazia um curso de especialização na Europa). Janice dedicava-se a pintura em tela, no estúdio onde se entregava às suas criações. Lavínia, embora graduada em jornalismo, por ser versada em línguas estrangeiras, ocupava-se em fazer traduções, assim como ele. Cortejados por muitas amizades, tinham então uma movimentada vida social.

Lavínia vivia alegremente sua existência: moça independente, cercada de amigos, cobiçada por jovens enamorados, a quem ela ia descartando ao longo do tempo, sem se comprometer. Aos 25 anos dizia-se imatura para entabular namoros sérios, noivar e chegar ao casamento. Assim sendo, seus namoricos não passavam mesmo de namoricos...

Recordou-se como viviam então, cultivando seus dias sem desassossegos, repartindo trabalho e lazer. As editoras solicitavam sua colaboração em traduções técnicas e científicas que eram seu forte. Em se tratando de literatura, romance, crônica, poesia, quando apresentadas para tradução ele as dividia com Lavínia, que se dedicava àquele tipo de versão com facilidade extraordinária. Sem sofrer a angústia comum aos tradutores de não conseguir quebrar a barreira do enunciado proposto pelo autor, na língua original, Lavínia tinha a felicidade de penetrar-lhe o sentido, conseguindo levar ao leitor uma tradução afortunada. Em Lavínia essa fácil intimidade com a linguagem, levavam-no a refletir sobre um pequeno texto de Ricoeur, em seu ensaio: “UMA PASSAGEM, TRADUZIR O INTRADUZÍVEL”, contido na coletânea “ SOBRE A TRADUÇÃO”, quando o autor comenta a dificuldade do tradutor em conseguir realizar seu trabalho, assombrado pelo desejo da tradução perfeita-. Contrariando o comentário de Ricoeur, a filha conduzia suas versões com inspirada serenidade, sem sentir-se ameaçada de fracasso.

Não lhes causou surpresa o convite para a recepção e o baile que se realizariam no salão nobre de um importante clube da cidade, homenageando um escritor estrangeiro que visitava o Brasil, (com a parceria de Lavínia ele havia traduzido dois de seus livros). O homenageado sobressaia-se na Europa por seus sucessos literários

A festa realizou-se com o rigor e a pompa, esperados pelos organizadores. Durante esse baile como em tantos outros, Lavínia expandia alegria e vivacidade. Pares nas danças nunca lhe faltavam. Ele e Janice alegremente observavam-na em seus volteios pelo salão.

Voltando à mesa para junto deles, ela vinha descansar, bebericar uma taça de vinho, fugindo da agitação; mas logo era solicitada para outra dança ao embalo da música fremente. Entre outros que vinham requisita-la, naquela noite, alguém se destacou pela frequência com que repetia seus convites, mantendo-se junto dela, até mesmo durante os intervalos de descanso da orquestra.

Ele e Janice observando o fato, o haviam comentado com a filha. “Chama-se Renne, ela lhes disse. Veio da Áustria, especialmente para esta festa acompanhando um embaixador de quem é afilhado, explicou.”

Num outro momento Lavínia lhes havia apresentado Renne, um homem educado e cortês. Parecia talvez um pouco sofisticado, vestindo sua elegante roupa de cerimônia. De boa estatura e porte atlético, movia-se com desembaraço. Trazia no rosto uma barba bem curta num estilo moderno; seus olhos muito negros eram atentos, cautelosos.

A madrugada encontrou-os deixando os salões do clube, terminada a festa. Enquanto manobrava o automóvel no estacionamento repleto, viu aproximar-se o jovem, (aquele que se mantivera junto a Lavínia durante o baile) procurando-os, apreensivo; nas mãos trazia as sandálias deixadas por Lavínia sob a mesa no salão. Era um hábito de Lavínia, quando os pés lhe doíam, em qualquer ocasião, descalçar-se, e, distraída, quase sempre ficavam para trás os incômodos sapatos. Não havia jeito de lhe corrigir o costume: por essa causa inúmeros pares de calçados haviam-se perdido, abandonados, esquecidos onde ela os retirava para alívio dos pés.

Lavínia ao dar-se conta da aproximação de Renne, sorrindo, saiu do automóvel, tomou dele as sandálias e as largou displicentemente no chão do carro; trocou com Renne meia dúzia de palavras em “staccato”. Ele tomou-lhe a mão, elegantemente beijou-lhe os dedos, enquanto ajudava-a reacomodar-se na poltrona. Com um breve aceno, despediu-se dele e de Janice. Retomando a manobra interrompida para retirar-se do local, observou pelo retrovisor o último olhar que trocaram, e uma onda de contrariedade o invadiu. Irritado, tão logo se livrou do trafego confuso nas imediações do clube, admoestou a filha: - Quando vai se lembrar de trazer os sapatos quando os tirar em público, e não deixar isso a cargo de outras pessoas que pouco conhecemos?

(Pressentiu o sorriso zombeteiro e silencioso de Janice, o sorriso que ela sempre estampava diante de suas observações, ao julga-las descabidas e inúteis); com desgosto, ouviu-lhe o muxoxo de desdém; sentiu o toque de seu cotovelo, como uma advertência, e, de imediato, seu comentário totalmente descabido, irritando-o ainda mais: - Lembrei-me da história dos sapatinhos de cristal... um príncipe sai à procura de uma princesa levando seus sapatos... - Não aconteceu assim na história, mãe, retorquiu Lavínia, com voz sonolenta: o príncipe percorreu todo o reino, experimentando nas moças o sapatinho de cristal, perdido pela Gata Borralheira ao fugir da festa à meia noite. – Ah, Janice completou: hoje o príncipe sabia a quem pertenciam os sapatos... Dizendo isso ela o havia afagado, desprezando seu silencioso mau humor; depois com um suspiro, deitou a cabeça no seu ombro, entregando-se a um cochilo até chegarem a casa, ignorando sua exasperação.

Talvez o “príncipe”, (julgado por ele, um indesejado), logo voltasse a Austria. No entanto, nos dias que se sucederam, os encontros entre Renne e Lavínia tornaram-se constantes. Passeios, almoços, e toda a sorte de divertimentos tirados por Lavínia de sua cartola de mágico. Observando a sua chegada desses passeios, havia reparado que Renne, com frequência, vinha trazendo os sapatos que Lavínia abandonava quando os tirava dos pés. Nada o deixava tão irritado como aquilo, ainda que não pudesse explicar o porquê de tal sentimento.

Finalmente aproximando-se a data da partida de Renne, como um último desafio ao seu desgosto, programou-se um jantar de despedida com o esplendor com que Lavínia e Janice coroavam seus jantares. No evento muniu-se da sua maior paciência; resignado, desdobrou-se em gentilezas. Naquele jantar constatou as qualidades de Renne: admirou sua postura atenciosa, sua inteligência, emitindo opiniões objetivas, demonstrando um conhecimento seguro do trabalho que exercia. Não era um grande palrador, mas respondia com clareza às inquirições que lhe eram feitas. Entretanto, apesar de reconhecer aqueles atributos, não logrou demolir seu inexplicável sentimento de rejeição pelo jovem. Já se cansara de ouvir os panegíricos a ele feitos por Janice: Renne era bacharel em Relações Internacionais, função que realizava na sua amplitude, trafegando entre ministérios, consulados, atuando em grandes empresas e bancos nos diversos países da Europa e mesmo da Ásia. Nascido na França, filho de pai francês, e de mãe brasileira, usufruía de ambas as nacionalidades. Havia acompanhado o pai quando esse atuava como adido de embaixadas, morando no Brasil por vários anos; aqui completara seus estudos universitários. Além das línguas inglesa e francesa, conhecia alemão, russo, árabe, nunca se esquecendo do português ou do espanhol. Qualidades que exaltavam a admiração de Janice pelo jovem, que aos trinta anos trafegava entre altos executivos, analisando, avaliando, investigando mercados, possibilitando negócios e aconselhando investimentos no exterior. Mas para ele, essas qualidades eram apenas detalhes. Ele via Renne, como um predador, um antagonista, interpondo-se entre ele e a filha Lavínia, apartando-os, minando, removendo subconscientemente a sua proximidade; quebrando a parceria tão habilmente cultivada entre eles... Jamais a filha havia demonstrado tal interesse por qualquer de seus admiradores. Talvez, porque, esse admirador ao partir para outro hemisfério, os sentimentos se arrefecessem pela distancia, ela procurasse cultivar boas lembranças. Mas não lhe escapava o vívido interesse de Renne por Lavínia. Seus olhos muito negros seguiam-na apaixonados, cobiçosos, expondo uma ardência de sentimentos, ainda não de todo confessados. Queixou-se com Janice, falou-lhe de seu desgosto. Ela rira seu riso fácil: - Quantas tolices você imagina, meu querido. Não aceita a ideia de que Lavínia um dia possa apaixonar-se, e casar-se. Nada poderá impedir isso, nem você! Se não for Renne, o eleito será outro. A preferência dela será soberana. Lembre-se: a nossos filhos é nosso dever, guia-los, educa-los, prepara-los para a vida, e entrega-los um dia aos seus destinos. Cabe-nos apenas lhes desejar felicidade. (Havia-se calado, intimidado com o pragmatismo de Janice). Mas continuou a olhar Renne com antipatia e desconfiança; sua ausência não lhe trouxe alívio. A comunicação à distância entre os dois namorados foi diária, constante. O tempo rolou; três meses se passaram e logo, como num passe de mágica, férias a gozar o trouxeram de volta, à ciranda dos programas inimagináveis, aos jogos de tênis, às tardes passadas nos clubes, aos almoços nos shoppings, aos passeios e festas que se multiplicavam.

Reconheceu que Lavínia tinha, por aquele homem, interesses e sentimentos, nunca antes demonstrados por qualquer outro. Renne mantinha-a cativa como num encantamento... Na presença dele ela transpirava sensualidade. Entregava-se nos gestos, na emoção do olhar...

Ele transmitia essas observações a Janice que o embaraçava com uma indulgência sorridente, ou com uma crítica acerba ao seu sectarismo diante de um fato perfeitamente natural.

Via Lavínia tão pouco nessa ocasião, que era como se ela não vivesse mais ali. Findos os dias das intermináveis férias, despediram-se; outro jantar foi servido com todo o aparato da melhor cozinha.

Contas feitas, não se haviam passado três meses desde o baile, em que Lavínia e Renne, haviam-se encontrado, iniciando aquele apego, para ele intolerável. Pressentiu um perigo iminente, vendo crescer em Lavínia o interesse por aquele homem, que, mesmo distante, fazia-a vibrar, alegrar-se, tornar-se inquieta, distraída e ausente de tudo o mais que a cercava, enquanto se comunicavam todos os dias, repetidas vezes.

Sem conter-se, não escondia seu desgosto. Janice detestava ouvi-lo queixar-se, e ele se fechou num mutismo de revolta.

Sentia no ar a proximidade de algo semelhante a uma catástrofe.

Suas cismas não falharam: a notícia explodiu em seus ouvidos quando ele já a havia sentido em todos os poros. A data do aniversário de Lavínia aproximava-se; dias antes Janice anunciou a chegada de Renne, desta vez, acompanhado do cônsul, seu padrinho. – A que vem o cônsul? -indagou, cheio de ira, desejando não ouvir a resposta. – Aproveitando o aniversário de Lavínia, o cônsul vem oficializar o pedido... – Pedido... pedido... Janice, você está falando por enigmas, explique-se, por favor. – Querido, ela disparou, não se faça de desentendido; Lavínia e Renne já se comprometeram; a presença do cônsul é para confirmar oficialmente o desejo deles de se unirem pelo casamento.

Havia-se deixado cair sobre uma cadeira, atônito. Um eco indistinto repetia em seus ouvidos: ”já se prometeram... desejo de se unirem...” – Janice, você está dizendo que nossa filha, Lavínia, está pensando em casar-se? – Sim, são esses seus planos para breve, isto é, Janice completou: - Não tão breve, planejam para o próximo ano, penso eu... Ele havia-se levantado da cadeira e saído do quarto sem fazer qualquer comentário. Sentiu-se totalmente arrasado com a notícia. Tristeza e revolta o sucumbiram. Passou dias lutando com seus sentimentos desconcertados, flagelado pelo desespero, incapaz de manter um diálogo com quem quer que fosse. Encerrou-se na biblioteca, entregou-se ao trabalho exaustivo de uma tradução complicada, tentando fugir da realidade, tentando esquecer-se de si mesmo. Inarredavelmente chegou o dia do aniversário da filha; oficializou-se o noivado com a presença cerimoniosa do cônsul, pronunciando um discurso no pedido, esmerando-se nos elogios feitos ao afilhado .

O ano do noivado rolou, sepultando na angústia cada um dos seus dias, e ele os contou um a um, assistindo ao seu avanço rumo á data do enlace. Renne voltara à Europa dias após a cerimônia do noivado, entretanto, sua presença nas comunicações virtuais, perdurou inapelável...

Havia conversado com a filha, enumerando os perigos que ameaçavam o sucesso de um casamento realizado sem as bases firmes de uma convivência mais demorada, a troca de conhecimentos, elaboração de planos... Afinal, após o casamento ela e o marido iriam viver em outro hemisfério, ela, mudando radicalmente seus hábitos, apartada dos pais, junto aos quais vivera toda uma existência. Ela o ouviu, atentamente, mas, sem grandes discursões, manteve inabalável, sua decisão. Diante disso, deu-se por vencido; inconformado com o inevitável, entregou-se a um mutismo de indiferença; quando as conversas envolviam planejamentos e decisões para o acontecimento fazia-se de desentendido.

( Simas, seu amigo, veio busca-lo para a viagem, no fim da tarde. Os dias de descanso na fazenda passaram-se céleres.)

Em casa, novamente, retomou os contatos com Lavínia. Ainda em Nagoia, ela fazia os últimos acertos para a partida. – Pai, ela contou: Tenho feito algumas traduções de livros desconhecidos no Brasil. São obras de escritores japoneses, explorando temas de uma beleza incomparável, já vertidos para a língua inglesa... Chegando aí poderemos tentar conseguir a publicação; acho que haverá uma demanda de licenciamento... Bem... Teremos tempo para discutir isso... Estou ansiosa por estar com vocês. Quando mamãe volta de Manaus?

Comunicavam-se todos os dias. Pelas observações ouvidas de Lavínia, ele deduzia que sua volta parecia não se tratar apenas de um passeio. Havia um quê de definitivo naquele retorno. Ela nunca falava de Renne; contava do entusiasmo de Zhem com os planejamentos; relembrava antigas vivências; fazia referências a trabalhos que haviam realizado como tradutores; de certa forma levantava a hipótese de voltarem a exercer outras parcerias.

Intimamente exultava; agradecia por Janice estar ausente, não podendo, portanto, exaspera-lo com admoestações e críticas aos seus sentimentos. Muitas vezes Janice repetira, que o fato da filha quase nunca falar (com ele) sobre o marido, era por saber que o assunto o irritava.

“Lavínia reconhece, dizia-lhe a esposa, que você nunca aceitou seu casamento; esquiva-se em fazer comentários sobre Renne, para evitar confrontações. Sua indisposição para com o marido lhe é intolerável, entretanto, como boa filha que é, prefere manter o silêncio. Comigo, rematava, Janice, o diálogo é mais livre, mais íntimo. Sei o quanto são felizes.”

Chegou por fim o dia definido para a viagem.

- Irei ao aeroporto encontra-la, prometeu.

- Não faça isso pai... viajo em companhia de um grupo de amigos que se destinam também a essa região. Uma Van já foi reservada para nos levar do aeroporto. Aguarde-me em casa.

No dia aprazado para a chegada deu folga às empregadas. Seu desejo era usufruir o prazer único de receber a filha e o neto sem qualquer presença. Empolgava-o pensar em tê-los com ele com exclusividade imaginando que, quando juntos, ele e Lavínia, como tantas vezes, acontecera, improvisassem o jantar, enquanto trocavam ideias e matavam saudades.

Ruídos de um carro estacionando defronte a casa e um leve toque de buzina e o toque da campainha alertaram-no da chegada. Acionou a abertura do portão, postando-se no alto da escada, ansioso, à espera. Dominava-o a emoção de rever Lavínia transpondo o portão, galgando os degraus da escadaria.

Sons de vozes e risos se ouviam lá fora.

Pelo portão aberto entrou primeiro o menino. Correndo subiu a escada, e, sem inibição, confiante saltou em seus braços.

- Olá avô, disse, com desembaraço.

- Meu querido neto, seja bem-vindo.

O menino era a imagem viva das fotos que Lavínia postara recentemente: os cabelos claros, lisos e bastos, lembravam os da mãe, possuía no rosto, como ela, a mesma cor morena. Entretanto, os olhos que o fitavam, escuros e penetrantes... Ah, eram os olhos do pai. Abraçados como estavam, pode sentir o odor de seus cabelos limpos; suas faces quentes e rosadas cheiravam a chocolate e batatas fritas.

Com uma palmada amigável colocou-o no chão. O menino entrou casa adentro levado por seus passos ligeiros, familiarmente, como se desde sempre a conhecesse.

Lavínia surgiu então a seus olhos. Deteve-se no portão falando com alguém lá fora, acenou uma despedida e iniciou a subida da escada. Banhada pela claridade do sol; ergueu para ele o rosto sorridente; soltos sobre os ombros seus cabelos tinham reflexos dourados. Descalça, galgou agilmente os degraus e de pronto envolveu-o num demorado abraço, afagou-o, beijou-o repetidas vezes, e murmurava: -Pai, pai, quanta saudade!

Como lhe fugissem todas as palavras , ele apenas a sustentou junto a si, ofegante.

Fitaram-se demoradamente, olhos marejados pela emoção, deram-se as mãos e permaneceram frente a frente, sorrindo, enternecidos.

Dois jovens subiram trazendo as malas. Lavínia os apresentou: - Meus amigos, disse. Ele dirigiu-lhes um cumprimento; os rapazes deixaram as malas no vestíbulo e desceram de volta.

Lá de dentro o menino chamou pela mãe. Ela entrou para atender ao chamado. Pensou em juntar-se a eles, quando ouviu o ruído surdo do alarme do portão indicando que o mesmo permanecia aberto. Agora ele deveria descer para cerra-lo, e ia fazê-lo, quando o alarme silenciou.

Surpreendido viu Renne surgir na primeira curva da escada: subia os degraus sem pressa, absorvido na leitura do celular que trazia numa das mãos. Na outra carregava um par de sandálias; pendurada no ombro a pasta do notebook.

O gelo da decepção paralisou-o. Viu desabarem-se suas conjecturas relacionadas à presença de Lavínia. Num átimo reconheceu a tolice de suas fantasias, e os enganos engendrados pela errônea interpretação que fizera das informações da filha.

Enquanto, abismado, tentava refazer-se, Zhen saiu da casa; correndo desceu as escadas, e lançou-se sobre o pai, enlaçando-o pelo pescoço. Assistiu à cena como fosse um ato executado num palco: Renne quase desiquilibrou-se com o salto da criança. Abandonando no chão as sandálias, abraçou o filho, mantendo-o seguro; sorria, ouvindo o que o menino lhe segredava ao ouvido.

Chegando ao patamar, Renne desceu do colo, o menino. Aprumou-se; num gesto rápido consertou o desalinho nas roupas que lhe deixara aquele abraço inesperado, e, amigavelmente, aproximou-se para cumprimenta-lo.

Retribuiu a saudação do genro, com gentileza, apesar de suas emoções devastadas; juntos adentraram a casa com Zhen acompanhando-os, saltitante. Atordoado, viu que era o momento de como bom anfitrião prestar aos hóspedes as merecidas honras: cuidar de acomoda-los, chamar Janice de volta ao lar e encomendar, prontamente, do restaurante um ótimo jantar.

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hortencia de alencar pereira lima
Enviado por hortencia de alencar pereira lima em 09/02/2015
Código do texto: T5131318
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