Se você quiser mas é se você QUISER!

Se você quiser mas é se você QUISER!!!

Tolerou o abandono do pai, o assassinato da mãe. Tolerou o desprezo dos irmãos por ser filha bastarda. Não bastou isso, tolerou um estupro. Isso. Aos 27 anos foi violentada. Mas tolerou, porque era uma moça de tolerar, ser otimista e acreditar na vida. Tolerou os espancamentos e agressividade do marido. Aguentou a falsidade dos amigos, das pessoas. Suportou a tudo isso, sempre erguida, ereta, altiva!

Certa manhã, mais otimista do que em qualquer outro dia, resolveu entrar em uma casa de oração, ali perto. Queria saber o que Deus reservava para ela. Concluía, apesar das intempéries, que Deus era muito bom, muito bom de verdade, boníssimo! Era uma garota de muita fé. Na casa, foi recebida por uma senhorinha enrugada, caquética e com sorriso simpático. Recebeu um terço, uma folhinha verde, ajoelhou-se e rezou de frente a uma imagem de Santo Expedito.

Saiu mais leve do que nunca! Cheia de esperanças! A vida lhe daria muito mais do que deu, afinal, tinha saúde, um lar, fartura em sua casa e era viúva. Sim, ela recebia todos esses ´´contratempos`` como obstáculos que lhe queriam impedir de exercer sua mansidão, sua santidade cristã. Era um ser superior, assim se sentia. E nada, absolutamente nada lhe tiraria daquele rumo de elevação até a luz, sabedoria e conhecimento. Havia tolerado todas essas coisas para demonstrar a si a sua capacidade de perdoar a humanidade. Depois de analisar tudo isso, sentiu-se perdoada de todos os sentimentos que nutriu. Pois saiba apenas você, leitor, que ela sentiu tristeza, angústia, revolta e até ódio, mas foi em poucos segundos, eu garanto! E repito que ninguém saiba disso, pelo amor de Deus!

Naquele caminho que fazia e pensava todas essas coisas, resolveu ir a uma cafeteria. Pediu um bem forte, amargo, sem leite e todas aquelas frescurinhas. Talvez Freud pudesse explicar que, talvez ela estivesse colocando algum sentimento de baixo, baixíssima estirpe naquele café. É, poderia ser. Minutos depois, entrou um homem atraente, cabelos grisalhos, com toda educação de um gentleman naquele recinto. Ela não viu nada! Fui eu que vi, mas lhes conto porque sou linguaruda.

Letícia permanecia sentada, metida e concentrada no seu café. Sua preocupação era com seus óculos que constantemente desciam da face, nada mais. Até que, em um momento, o moço triunfante esbarrou na jovem mocinha, o que a fez derrubar o próprio café. É, ela não se irritou, não xingou, nada fez. Apenas pediu outro. A garota aprendera a tolerar tudo, além do mais acabava de sair de uma casa de oração! Como poderia ter uma reação contrária? O moço, gentil e educado, cuidou em pagar o café que ele havia derrubado e até se ofereceu para limpar o casaco dela, o que obviamente ela recusou. Não era de liberdades, apesar de tê-lo achado educado, e só.

Mas para nossa surpresa, quem ficou irritado de verdade, sentindo-se preocupado e ´´errado`` foi o Contabilista César. Depois de ele ter pegado a água que queria e retornado para de onde não deveria ter saído, o que impediria de o vexame ter acontecido, ele ficou observando aquela moça. Era bonita, mas esquisitona, sei lá, rs. Óculos grandes, tímida, e não sabia se era solteirona ou não, acho que tinha perto de quarenta. E como forma definitiva de desculpas teve uma ideia. Pediu ao garçom que levasse até a ela um bilhete.

A moça, santa moça, recebeu o bilhete com desconfiança. Mas amigos, pasmem com o que aconteceu. Letícia leu aquele bilhete e todos perceberam que fogo saía dos olhos dela, e sua face angelical deu lugar a um rosto endiabrado, com rugas fantasmagóricas e uma risada, ahhhhh... Uma risada que brotava das profundezas dos infernos. O demônio tinha sido incorporado naquela mulher, só podia. Até a voz, isso, até a voz tinha outro timbre e sonoridades satânicas. Levantou-se da cadeira com a sutileza de um demônio à espreita e retirou do seu casaco um pequeno punhal. Cravou no pescoço daquele infame, ultraje, e aberrante ser até o cabo. César morreu ali, sobre a mesa. Finalmente, Letícia não tolerava mais! Não toleraria aquilo! Aquilo escrito era o ápice de tudo que ela já havia passado. Afogado no próprio sangue, o educado e gentil homem dava adeus ao mundo e perto dele, ficava o bilhete, o demoníaco bilhete pivô daquela cena que dizia:

´´Se você KIZER, POÇO pagar, também, ÊSSE café.``

Eliane Vale
Enviado por Eliane Vale em 18/02/2015
Reeditado em 19/02/2015
Código do texto: T5140903
Classificação de conteúdo: seguro