Sam

1

Ela tinha os cabelos tingidos num tom laranja avermelhado. Usava um vestido branco estampado de flores que chegava-lhe um pouco acima dos joelhos. Tinha um sorriso daqueles que o cara não sabe exatamente o que significa... que esconde um bocado de coisas...

Eu ‘tava ali, sentado tomando uma cerveja quando ela me capturou a atenção. Parecia que tinha saído de uma música ou de um filme desses cheios de mistério. Tentei até disfarçar e fingir que olhava para outra pessoa, mas eu sempre fui muito ruim em disfarçar qualquer coisa.

Eu conhecia a tal moça de outros dias, quando trocamos algumas poucas palavras. O negócio é que eu não tinha reparado o quão bonita ela era e fiquei ali embasbacado, enquanto as pessoas que estavam na mesa comigo seguiam com a conversa.

Quando nossos olhos se encontraram, ela sorriu e se aproximou. Eu me levantei para lhe cumprimentar e ela me abraçou alegremente. As palavras, no entanto, resolveram se esconder de mim, e eu que sempre fui de tagarelar, pouco consegui lhe dizer para manter um papo interessante.

Despedimo-nos, mas meu olhar ainda a perseguia.

Me senti um Voyeur idiota.

Voltei para minha mesa.

A noite foi passando e perdi a jovem de vista. Quando achei que já tinha bebido o suficiente e começava a ficar entediado, paguei a conta e tomei o caminho de casa.

Antes que eu me distanciasse muito, no entanto, senti uma mão sobre meu ombro.

- Não está muito cedo para ir para casa, moço?

Era a mulher do cabelo vermelho, com aquele mesmo sorriso indefinido que tinha me feito olhá-la da primeira vez.

- Acho que já deu por essa noite.

A mulher riu como se eu tivesse falado algo realmente engraçado. E disse me tomando pelo braço.

- Você não podia estar mais errado, meu caro.

Andamos de volta para a praça e para os bares.

Ela falava alegremente sobre o fato de estar faltando aula na faculdade e de ter um enorme trabalho para entregar no dia seguinte. Não transparecia nenhuma preocupação. Nem com a vida, nem com a hora. Estava tudo certo.

Com ela pendurada no meu braço direito, a vida pareceu um pouco menos assustadora. Resolvi apostar o meu resto de noite nela.

A propósito. Seu nome era Sam.

2

Sam tinha os olhos quentes como a noite de cidade em que eu vivia.

Podia vê-los faiscando enquanto ela remexia em sua bolsa buscando um cigarro.

Acendeu-o com um isqueiro que mais parecia uma turbina de avião à jato e se levantou.

Foi em direção a cozinha e voltou com duas latas de cerveja. Abriu uma e entregou-me a outra sem dizer uma palavra.

Fumou o cigarro inteiro no mais profundo silêncio, olhando pela janela.

Me perguntei sobre o que ela pensava.

Talvez pensasse no trabalho de faculdade que deixara incompleto.

Talvez pensasse em outro homem, ou na previsão do tempo para o dia seguinte.

Certamente não pensava em mim.

Sam não era do tipo que se apaixonava ou se entregava a algum romance... Pelo menos era o que diziam.

Ela era bastante diferente de mim. Tanto que nunca achei que ela fosse chegar à minha cama algum dia.

Eu ainda estava processando aquilo.

Ela largou a cerveja em uma mesa de centro e voltou à cama.

Deitou-se ao meu lado. Nua como Eva antes da serpente.

Me beijou e abriu um sorriso.

- Você é do tipo de cara que pensa sobre tudo, não é?

A pergunta me pegou de surpresa.

- Sou sim. Penso muito mais do que vivo. Respondi.

A resposta pareceu animá-la.

- No que está pensando agora? Disse, correndo as pontas dos dedos em meu peito.

- Estava pensando no que te trouxe ao meu quarto esta noite.

Sam subiu sobre meu corpo e recostou a cabeça do lado da minha.

- Saber o motivo faria alguma diferença para você?

- Na verdade não. Menti, sussurrando em seu ouvido.

Sam me olhou nos olhos como se soubesse exatamente quem eu era. Cada detalhe, cada minúcia, cada medo e cada preocupação...

Por alguns instantes aquilo tudo sumiu.

Meu universo então se resumia ao calor de seus olhos acastanhados e ao peso de seu corpo sobre o meu.

- Então não fique só me olhando. Aproveite. Falou-me aos sussurros.

Tudo o que eu podia fazer naquele momento era amar aquela mulher como se não houvesse amanhã. Como se fosse a última vez.

E provavelmente seria.

Sam nunca ficava para o café da manhã.

3

Acordei com um barulho de liquidificador vindo da cozinha.

Sentia cheiro ovos fritos e de café.

Esfreguei os olhos e olhei para o relógio pendurado na parede. Eram 10 da manhã.

Me pus sentado na cama e fiquei um tempo, com o olhar perdido no chão.

Eu estava confuso, de ressaca e ainda um pouco desorientado pela claridade.

Sam apareceu sorrindo no quarto, vestindo apenas a camisa que eu usara na noite anterior.

- Você tem uma cozinha até organizada para um homem solteiro. Alguma mulher mora aqui com você?

Fiquei alguns segundos processando a pergunta antes de responder.

-Não... Sempre morei só aqui. Mas eu tinha uma namorada que me ajudava a por tudo em ordem.

- Sinto muito que tenha acabado.

-Eu não sinto. Já deixei de sentir a algum tempo.

- Vem comer então. Você ‘ta com uma cara péssima.

Me levantei, fui ao banheiro, lavei o rosto e escovei os dentes. Tentava não pensar sobre a noite anterior e sobre o fato de Sam ainda estar comigo, quando o esperado era que tivesse saído de fininho no começo da manhã.

Voltei à cozinha, me sentei ao seu lado e tomei um copo de suco de laranja, enquanto ela devorava um sanduíche de queijo e ovos.

- Recife ‘tá quente pra caralho. Você se importa se eu tomar um banho antes de ir? Me perguntou depois de mastigar um pedaço do pão.

- Não... Fica à vontade. Depois te arrumo uma toalha.

Ela sorriu e continuamos a comer.

Não dissemos nada por todo o resto da refeição. No fim, ela acendeu mais um cigarro e me perguntou, num tom quase pesaroso.

- Por que seu namoro acabou?

- Não sei exatamente. Acho que faltavam coisas.

-Tipo o que?

- Amor próprio da minha parte. Respeito da dela.

- Não parece algo muito legal. Você está bem?

- Estou. Já faz algum tempo. Acho que ela levou um pedaço de mim. Mas eu sempre fico bem no fim das contas...

- Isso é bom. Ela me disse por fim, sem graça por ter levantado um assunto tão complicado.

- Você já passou por algum rompimento, Sam? Perguntei, sem saber por que.

- Não. Nunca fui de ninguém por muito tempo. Não gosto de amarras, não gosto de expectativas nem de muito compromisso. Falou, como se recitasse uma oração...

- Certamente é uma forma de evitar decepções. Mas não consigo me imaginar vivendo assim.

Sam me olhou como se já soubesse que eu falaria algo desse tipo e simplesmente sorriu... sem graça.

- Você não precisa se preocupar, Sam. Eu sei como as coisas funcionam. Não vou te dar trabalho.

- Eu sei que você não vai. Você é um rapaz esperto.

Sam me beijou. Apagou o cigarro na janela e caminhou até o banheiro.

- Vem comigo. Quero te dar mais motivos para você sentir saudades. Disse, antes de desabotoar a camisa que cobria seu corpo.

Sem pensar muito, andei em sua direção, pronto para aproveitar aquele encontro improvável até o fim.

quem era eu para questionar o destino...

4

Eu me vestia enquanto ela procurava suas roupas espalhadas pelo quarto. Dava pra ver que Sam era tão ou mais desorganizada do que eu. Achou uma peça de roupa, se sentou no sofá e acendeu outro cigarro. Fumou até a metade e o largou no cinzeiro. Só ai começou a se vestir enquanto cantarolava alguma música em francês, que eu não conhecia.

Eu observava aquele ritual estranho com atenção. Ela era realmente muito bonita.

Era cheia de energia, diferentemente de mim.

Quando terminou de se vestir, Sam sentou do meu lado da cama e me beijou no rosto.

- Tenho que ir. Tem um trabalho de faculdade me esperando. Disse-me, enquanto arrumava o cabelo.

- Eu sei. Preciso sair também. Menti... eu não tinha nada pra fazer na rua.

- Gostaria de te ver de novo. Anota meu número de celular.

Peguei o meu telefone e digitei o número que ela me indicou.

- Te mando uma mensagem e ai você anota o meu também. Disse-lhe, sem muita animação.

Tinha pra mim que Sam fazia aquilo apenas por educação. Mas estava tudo bem.

Ela terminou de se aprontar e eu a levei até a porta. Nos beijamos e ela se despediu.

Sam desceu as escadas do meu prédio e eu a acompanhei pela janela enquanto caminhava até o portão.

Já próxima a entrada, ela olhou para trás, sorriu e se foi.

La fora, fazia sol.

Fazia um dia lindo demais para alguém ficar enclausurado em casa, reclamando da vida.

Mesmo que esse alguém fosse um cara tão perdido quanto eu.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 17/03/2015
Reeditado em 29/03/2015
Código do texto: T5173048
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