EM DIREÇÃO AO NADA E UM POUCO ALEM ...

Acordei de noite sem saber onde estava , mas logo quando me virei o colchão estalou envolto em plástico e no meu braço direito um pedaço de esparadrapo segurava a agulha do soro .

- Quero mais café !

Dizia esse sujeito na cama ao lado . Eramos eu e ele no quarto do hospital publico , e a luz do corredor estava acesa e por isso ele achava que tinha o direito de me incomodar chamando pela enfermeira .

- Você esta confundindo as coisas , meu chapa . Ela é enfermeira , não garçonete .

Falei , me virando de lado com os olhos colados na bunda nua do homem . Ele só se deitou com os olhos vidrados no teto e disse que tudo que queria antes de morrer era mais uma xícara de café puro com bastante açúcar .

Olhei pela janela e vi a lua bem grande no céu , era uma noite bonita , uma rara noite bonita e lá estava eu numa cama de hospital ouvindo as lamurias de um homem que só quer mais uma xícara de café .

- Até um assassino ou estuprador condenado a cadeira elétrica tem direito de um ultimo pedido . Não é justo que eu não tenha …

Cobriu o rosto com as duas mãos e pensei tê-lo ouvido chorar . Perguntei o que ele tinha .

- Estou doente .

De que ?

- Estou doente de morte , meu chapa , posso sair daqui amanha de manha , mas quem sabe o que me vai acontecer lá fora quando estiver enchendo tanque dos carros dos outros e um deles achar que a gasolina esta muito cara ? Qualquer dia um desgraçado desses me mata , mete uma bala na minha cabeça e sai com o seu tanque cheio direto para casa , para os braços da esposa que lhe afanhara os cabelos e dirá que não fez nada de errado , só matou outro pé rapado que para sobreviver enche o seu tanque com seu suor !

Me sentei na cama , o lençol escorregou no plástico do colchão e quase fui parar no chão .

- Sabe o que eu queria gora ? - Falei – Um cigarro , uma lata de cerveja e transar com uma estagiaria de enfermagem .

O homem tirou as mãos do rosto e limpou as lagrimas no braço peludo . Ele tinha mais pelos no braço que cabelos na cabeça .

- Essas estagiarias fedem a postinhos de saúde e luvas de borracha molhadas .

Me disse o homem , depois jogou seu nome .

- Me chamo Gutemberg . tenho duas filhas e uma mulher que mora com seu marido novo .

De baixo do travesseiro tirou uma fotografia , era um flyer de danceteria . Nele uma jovem de cabelos azuis escorregava por um pole dance . Seu olhar era convidativo e as luzes caim sobre seu corpo musculoso na medida certa , não muito riscado e seios do tamanho de duas laranjas grandes .

- Minha filha …

Disse Gutemberg , orgulhoso …

- Sua filha trabalha numa danceteria ?

- Melhor ! Ela é a estrela principal nas noites de quinta.

Puxou a foto para si e a olhou com graça .

- Ela não é linda ?

Pensei em lhe dizer muitas coisas que um pai não gosta de ouvir sobre a filha , mas por fim …

- Não se vê muitas garotas de cabelo azul por ai ...

Ele guardou a foto debaixo do travesseiro e disse :

- Tenho cigarros . Se me conseguir uma xícara de café quente com bastante açúcar te dou meu maço .

Me mostrou um maço amassado de Derby vermelho . Eu tinha cigarros guardados nos bolsos da calça , mas aceitei sua proposta . Puxei a agulha do soro do braço , mas quando exitei um pouco de sangue subiu pela mangueirinha . Odeio agulhas . Por fim , o sangue escorreu pelo meu braço , senti a bunda gelando pelo buraco do roupão . Vesti minha calça e minha camisa xadrez azul rasgada no sovaco . Caminhei descalço pelo chão de tacos e quando cheguei ao corredor o encontrei vazio , nos outros quartos gente doente dormia e gemia de dor , isso me fez sentir envergonhado por que não estava realmente doente , não era digno de estar entre os enfermos sedados por morfina ou aqueles que esperavam pela cirurgia … qualquer uma , qualquer cirurgia me faria sentir melhor naquele momento . Caminhei pelo corredor , olhei para dentro dos quartos escuros . Quando passei por outro ouvi a voz de uma mulher …

- Enfermeira , enfermeira ! - sussurrou ela – Preciso de outro travesseiro , meu pescoço dói …

- Use o braço – falei .

Ouvi soluços , depois choro . O pessoal vive chorando nos hospitais .

Enfiei o rosto pela porta e perguntei qual o problema .

- Olha só , moça . Estou numa missão , tem gente aqui que não sabe o que esperar do futuro , tem esse cara no meu quarto , algum motorista vai matar ele se a gasolina não baixar . Então controle-se !

Outra pessoa , um homem que dividia o quarto acordou ou estava ouvindo a conversa sorrateiramente .

- Doutor , não seja insensível …

Disse ele .Só podia ver um vulto no quarto de cortinas fechadas .

Saco . Entrei no quarto , meus pés estalando no piso , fui até um armário tateando as paredes e apalpei algo fofo , um travesseiro . Pedi para mulher levantar a mão para eu eu pudesse ver onde estava .

- Vamos lá , acene para mim , não vejo nada nessa porra !

'' Seu filho da puta ! ''

Soltou o homem . Ele me chamou de filho da puta dentro de um hospital ! Me senti mal com aquilo também , joguei o travesseiro para onde pensei que eles pudessem estar , mas só ouvi alguma coisa caindo , som de metal metal no chão .

- Que especie de medico é você , seu animal insensível !

O homem parecia muito revoltado . Lhe disse que se fosse um doutor aplicaria urina nas suas veias e afogaria todo seu corpo .

As luzes se acenderam , eu estava olhando para a o banheiro , enfermeira queria saber quem diabos era eu .

- Esse filho da puta , invadiu nosso quarto e esta azucrinando a pobre mulher , enfermeira .

A mulher de jaleco branco , jovem com cheiro de luvas de borracha caminhou na minha direção com aquela cara de '' eu mereço '' . Quis saber por onde eu havia entrado .

- Vou chamar a policia !

Ela segurava meu braço me puxando na direção da porta .

- Isso é uma jaula de loucos , vou sair daqui !

Disse eu , me soltando da jovem . Me senti ridículo saindo daquele jeito. Eu não estava doente , não tinha porque estar ali . Corri de volta para meu quarto , Gutemberg mostrou os dentes amarelos ao me ver . Falei que qualquer lugar seria melhor que estar ali dentro .

- Não é você – disse eu a ele – Mas é que nada aqui funciona direito . Não sei se percebeu , mas tem um tronco boiando na nossa privada ha dois dias !

- E meu café !?

Perguntou o homem . Lhe passei meu endereço .

- Quando te deixarem sair , apareça por lá , e leve a sua filha . Alias , onde é mesmo que ela trabalha ?

Ele me entregou o flyer amassado .

- Pode ficar com esse , tenho vários em casa .

- Obrigado , Gutemberg .

- Diga que me conhece , talvez lhe deixem entrar de graça !

Quando deixava o hospital dois policiais passaram por mim com as mãos nas armas . Lhes desejei bom dia quando o certo seria lhes desejar boa noite ...

20/03/2015

13h47m

Cleber Inacio
Enviado por Cleber Inacio em 20/03/2015
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