Uma viagem noturna

"Há um longo caminho entre um homem e o paraíso.

Já a estrada para o inferno é consideravelmente mais curta.

Mas o mais engraçado é que você pode ir de um lugar ao outro,

em questão de dias ou mesmo horas... e não há nada que você possa fazer quanto a isso. A não ser esperar pelo melhor e se preparar para uma rasteira ou duas de vez em quando"

Escrevi em meu bloco de notas, sentado em um ponto de ônibus quase escuro demais para que eu pudesse ver as letras.

Guardei o bloco num bolso e voltei a olhar para a rua, esperando a condução que tardava a chegar.

Eu tinha bebido quase todo o dinheiro que eu trazia comigo e só me restava a passagem de volta para casa.

Morava longe demais para retornar à pé. Não sem ser assaltado ou cair em algum esquina, bêbado demais para andar.

Eu gostava de pensar em mim como um fugitivo.

Um fugitivo de mim mesmo. Um desertor de um campo de batalha onde a vitória era impossível.

Eu podia gastar meus últimos momentos lutando por uma causa perdida, ou podia correr para longe do barulho das bombas e afogar meu soldo em prazeres voláteis.

Vícios, mulheres e poesia.

Talvez não fosse a coisa nobre a se fazer... mas era o que eu vinha fazendo já há algum tempo e tinha ficado bom nisso.

E lá vinha o ônibus.

Fiz sinal e subi as escadas da última condução da noite.

O motorista parecia ansioso para chegar em casa. Acelerava inveteradamente como se corresse para evitar o fim do mundo.

Me sentei no fundo, praticamente sozinho dentro do veículo.

Fiz força para não adormecer. Tinha medo de perder o ponto de descida e ficar preso no terminal.

O caminho foi tranquilo e me perdi em meus pensamentos olhando pela janela.

Me vi novamente nos braços da última mulher com quem estive.

Mais especificamente, com minha cabeça entre suas pernas enquanto ela se contorcia e dizia frases ininteligíveis.

Fui transportado para a cena, talvez ajudado pela minha embriaguez e pelas luzes hipnotizantes da cidade.

Não era uma mulher qualquer, a bem da verdade. Foi uma que pensei inicialmente que nunca seria minha.

E que depois achei que não se deixaria ficar. Mas foi ficando...

ia e vinha à seu bel prazer.

sempre que voltava trazia algo de novo consigo, mas nunca levava nada de mim.

Isso era o que mais me atraía nela.

Eu estava acostumado à mulheres que se prendiam a mim, mas que quando finalmente me deixavam, levavam sempre algo consigo. Me deixando vazio e com uma sensação de ter um buraco no peito.

Não era assim com ela. Era justamente o contrário.

Existia sim uma ansiedade quando ela não estava comigo e uma excitação fora do comum quando chegava. Mas era tudo muito prazeroso.

Eu estava perdido... Perdido de uma forma como nunca estive. Eu estava no meio do caminho entre o paraíso e o inferno.

O inferno estava em minha cabeça. O paraíso era ela, estirada em minha cama, sempre ansiosa por um pouco mais de mim.

Achei que ia ficar doido no começo. Mas agora, penso que nunca estive tão são em minha vida.

O motorista freou bruscamente e retornei a realidade.

estava perto de casa.

Me levantei e pedi parada.

Desci do ônibus e tomei a rua.

Eu morava num bairro escuro e sujo. Não havia ninguém nas ruas, mas eu sabia de um ou dois bares que estariam abertos nas proximidades.

Tomei o caminho do mais próximo, mas só depois me atentei que não tinha nenhum vintém para uma cerveja.

Decepcionado, tomei o rumo de casa.

Com sorte haveria alguma cerveja na geladeira,

se é que tinha lembrado de comprar.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 29/03/2015
Reeditado em 26/04/2015
Código do texto: T5187148
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