A Facilitadora

A FACILITADORA

Avenida Sumaré, canteiro central. Carros por demais apressados vão passando sem notar uma barraca lá montada. Apesar de suas cores alegres, contrastante com os tons de cinza que a circundam, até os pedestres desportistas apressados ignoram-na em seus passos rápidos. Cachorros dispersos parecem se entreter mais com o estranho evento.

Lampião aceso anuncia a chegada da noite. Um diminuto fogareiro indica a preparação de um jantar. Um telescópio montado junto à barraca parece um objeto estranho naquele ambiente.

Na porta da barraca um escoteiro alheio ao movimento ao seu redor se perde em suas anotações entre uma olhada e outra na panela no fogo. Vez por outra olha para o céu como se algo procurasse. Era como que se um encontro estivesse marcado para aquela noite.

Sol já distante e a noite se fazendo presente há algumas horas e algo insiste em faltar no céu. A lua, companheira de tantas noites parece ter se esquecido de sorrir.

Logo, o óbvio se faz presente. Aquele escoteiro que estava plantado no canteiro central da Avenida Sumaré toma ciência de que era um dia em que nuvens densas resolveram descansar sobre a cidade, e consequentemente sobre a sua barraca.

Agora sim aquele telescópio passa a ser um objeto estranho naquele ambiente. Sua noite de observação da lua tão antecipadamente planejada, estava limitada pelo descaso dos ventos. Restava uma noite de sono pela frente, antes de desmontar o acampamento na manhã seguinte.

Lampião cuidadosamente mantido em fogo baixo e apetrechos de cozinha lavados em uma mina que escorria do outro lado da rua. Um velho rádio traz as informações do mundo que parecia seguir sem se preocupar com nuvens sossegadas.

Uma janela, sob as mesmas nuvens se destacava na paisagem. Na noite escura pela ausência do disco prateado, parecia que lá se escondia a lua ausente. Por trás daquelas cortinas uma luz prateada parecia pulsar.

Atrás daquelas cortinas estava Kim, a menina dos olhos de luar, se preparando para sair. Ao redor daqueles olhos, uma moldura de suavidade.

O ronco do motor pareceu cortar o silêncio do adiantado da noite. E por ruas arborizadas ia seguindo Kim, noite adentro.

No acampamento já silencioso, ainda desperto permanecia o escoteiro em seus constantes planos. Foi quando sentiu penetrando pelo tecido desgastado da barraca uma luz suave. Aliás, dois suaves pontos de luz. Fosse apenas um e suporia tratar-se da chegada da lua ausente, mas duas era por demais absurdo.

Esgueirou-se até o zíper da barraca para observar. Aquela luz que se aproximava, se destacava dos faróis que ainda vagueavam insones. E cada vez mais se aproximavam as luzes.

Sem prévio aviso as luzes param. Estranho evento. Luzes imensamente mais fracas começam a piscar.

Ao longe percebe sair do carro uma menina que olha desanimada para o pneu do seu carro. Seus gestos são tão suaves que parece não amaldiçoar a situação.

Em poucos minutos o escoteiro se aproxima e passa a ajudar na substituição do pneu. Poucos minutos se passam até que a operação se complete. Ele nem chegou a sentir falta de sua lanterna esquecida na barraca.

Kim agradece e parte com um sorriso quase meigo. O escoteiro volta para a sua barraca. Passo após passo vai assobiando uma melodia indecifrável, em desafinadas notas. Caminha com as mãos nos bolsos e vai pensando.

Vai crescendo no seu rosto um sorriso. Ele tinha conhecido o luar. Tinha também descoberto que o telescópio não era necessariamente o elemento facilitador.

Flexor Astronomics
Enviado por Flexor Astronomics em 04/04/2015
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