Considerações de um Templário

Penetrei no Templo...

Os longos corredores não faziam suspeitar o tesouro possível em cada vão ou porta, para aqueles que como eu haviam recebido no ambiente sagrado o grau de Neófito.

Foi duro chegar até aqui.

A compreensão dos antigos textos é algo que exige do iniciado a procura constante da definição exata que por si é relacionada e se projeta para outros textos.

Nas altas estantes, abarrotadas de volumes ancestrais, se esconde o livro esperado.

Não é possível consultar nenhuma referência estatística para encontrá-lo, apenas na hora propícia ter e sentir a intuição precisa.

Dizem que alguns Neófitos percorrem há anos os grandes corredores na expectativa da intuição que lhes indique o lugar nas infinitas estantes do livro que lhes revelará a si mesmo; outros apanham qualquer volume que encontram e continuam perdidos.

Para mim, foi pouco tempo até a primeira intuição.

O pequeno volume, editado in oitavo com sua encadernação em tons azulados chegou até mim facilmente. Suas poucas páginas enganavam a primeira vista, mas seu conteúdo repercute até hoje, nele e nos outros volumes que me foram revelados.

Alguns tentaram organizar os volumes usando métodos desenvolvidos segundo a classificação decimal de Bruxelas, o que torna a possibilidade de encontrar os livros uma tarefa simples.

Porém qual livro procurar?

Dizem que o Mestre do Átrio (último grau hierárquico em nossa confraria) intuiu os livros que leu através da consulta fortuita em um simples Atlas, ao tocar com os dedos nas letras de uma palavra.

Os volumes se alinham agora, apenas com seus títulos impressos na capa, há muito o nome dos autores foi abolido, substituído pelo tema que abarca.

Alguns possuem milhares de páginas, outros apenas duas ou três folhas, mas que trazem no seu fundo o caminho para milhares de outras.

Quando puder entender o âmago de apenas um verso e dele extrair a beleza estética que trará em si a própria felicidade, poderei junto aos meus Mestres, reivindicar a honra de receber o segundo grau de nossa seita; o de Adepto Menor, porém sei que ainda que estude a vida toda, talvez nesta, ainda não consiga. Em nossa sociedade existem Neófitos com mais de setenta anos e Mestres com menos de quarenta, para ambos, seus graus estão diretamente relacionados com sua capacidade de compreensão, intuição e sabedoria.

Eu já tenho quase setenta, mas continuo na busca.

No Templo, existem pátios onde sombras de árvores antigas favorecem a leitura e a reflexão.

Fontes de água límpida refrescam a sede dos leitores, porém a verdadeira satisfação das necessidades de cada um está diretamente relacionada à compreensão dos livros.

Um mestre duma época mais recente julgou entender a alma humana através dos sonhos, hoje o volume que traz apenas seu título reluzente: Die Traumdeutung, foi intuído por um dos Neófitos, que através dele parece, encontrou um caminho.

Poderei numa vida ou nesta vida percorrer todos os corredores do Templo? Ou formarão os volumes um labirinto ainda mais terrível que o de Creta?

É possível.

Porém nesse, apenas a verdade nos espreita em seu centro.