Tá Na Mão!

O sol tinha acabado de se posicionar bem acima de nossas cabeças. Lembrei por um momento da professora de Geografia (ou era História?) explicando o movimento aparente do sol. Olhei no relógio devidamente protegido e encostado no pé da trave, obtive a confirmação; meio dia. O suor escorria pelo rosto da molecada que gritava ensandecida: toca a bola, chuta, bate, ladrão, ladrão... Distraído pensando na grande bola azul e seus movimentos misteriosos, só percebi quando a outra bola já estava dentro do gol. Acorda meu! Você tá cego! Que frango!

Me recompus, resgatei o pouco do orgulho que restava depois do frango levado, ergui a cabeça e reivindiquei:

- Minha vez de ir pra linha!

Choveu protestos. Não valeu você deixou passar! Bate boca, xingamentos trocados e por fim alguém aceitou carregar o fardo de atuar embaixo das traves.

A essa altura o sol já tinha avançado para o oeste, ou melhor, lado da lagoa como dizíamos naquele tempo.

Não tinha fome ou cansaço, nem mesmo os pés machucados e dedões arrebentados, devido ao fato de jogarmos descalços, fazia a criançada sair do campinho no domingo. De vez em quando a mãe de algum garoto aparecia com aquele olhar fulminante que podia ser interpretado como: já pra casa menino, antes que eu puxe suas orelhas na frente dos seus amigos. Não era ameaça então o melhor a ser feito era obedecer.

A bola rolava em meio a gritos e correria quando uma nuvem passageira encobriu o sol. O calor diminuiu um pouco e uma lufada de ar trouxe frescor momentâneo, tornando possível olhar para o alto.

Repentinamente o interesse mudou e a bola ficou esquecida por alguns minutos. Não vi quem foi o primeiro a correr, mas após alguns segundos também estava em disparada, o primeiro obstáculo era uma cerca de arame farpado, seguido do mato pisoteado e saltos sobre a valeta, movimentei o pescoço para traz e percebi que um dos meninos parou para pegar um pedaço de pau que estava jogado no meio do caminho, acho que era um bambu, alternava o olhar para cima e para frente enquanto também corria, a essa altura já estava com pernas e braços arranhados e ralados. Olhei mais uma vez para o alto e vi: uma pipa vermelha planava livremente contrastando com o céu azul e raios dourados que surgiam de traz das nuvens.

A pipa foi perdendo altura, a pequena multidão se amontoou e os gritos ficaram cada vez mais intensos;

- É meu! Peguei! Sai da frente!

O garoto do bambu ergueu sua ferramenta improvisada, os outros pulavam desesperadamente, enquanto eu estava um pouco distante do grupo que tinha maiores chances de pegar a pipa. Faltava poucos centímetros para o bambu mostrar-se eficiente quando observei a linha da pipa quase transparente, camuflada em meio aos raios de sol. Cheio de confiança e autoridade dei um grito curto e seco que todos entenderam imediatamente:

- Tá na mão!

O nível de tensão e adrenalina diminuiu. Algumas crianças deixaram transparecer um ar de decepção, entretanto, eu estava feliz e com um sorriso estampado no rosto.

Por um tempo o campinho de terra ficou vazio, apenas a bola no centro e um espectro de alegria e inocência pairava no ar.