Pérola no Espelho

PÉROLA NO ESPELHO

Passear pelos corais. Ser acariciada pelas ondas do mar. Tem coisa melhor? Vida de pérola é assim. Ou melhor, costuma ser assim.

Todas as pérolas que habitam o mar nasceram de uma ostra que resolveu se ligar a um coral, tendo sido visitada por um grão de areia. Aquilo que parecia um intromissão irritante se transformou em uma maravilhosa esfera de brilho único. Assim, como tantas outras nasceu Gabriela, ou melhor, Gaby.

Rosto de brilho aparentemente comum e olhos ativos ela cresceu cercada de cuidados para que não se afastasse muito de sua ostra, afinal existiam muitos perigos no mar. Perto das praias dizia-se ocorrer coisas inomináveis. Pérolas teriam sido perfuradas e acorrentadas para embelezar pescoços de seres que faziam uso do mar apenas para sua recreação, além de utiliza-lo como depósito de resíduos inúteis. Talvez tivessem lá também alguma utilidade pois forneciam alimentos para os camarões.

Gaby, garota perolada cresceu longe das praias, freqüentou a Escola do Mar desde a mais tenra idade. Lá foi aprendendo a se tornar uma pérola de brilho próprio. Camada por camada foi crescendo até atingir a adolescência.

Amiga do espelho, reflexo da idade, verificava cada nova camada que se formava. Verificava cada imperfeição, polindo eventuais pontos opacos. Aparecesse então algo que se assemelhasse com uma ruga era uma desgraça gera. Toda a mídia de moda era consultada com cuidado quase científico. Nada passava despercebido com respeito às tendências marítimas. Tudo tinha de ser perfeito. Era a ditadura da imitação.

Mas a cada dia que passava as visitas ao espelho eram mais freqüentes. Freqüentes também eram as visitas à janela. Quantas pérolas diferentes existiam mundo afora. Cada uma mais linda, mais perfeita, talvez até mais inteligentes.

Nova visita ao espelho. Quem se interessaria por uma perolazinha comum qualquer, perdida na imensidão do mar? Dúvidas não respondidas pelo espelho. Onde estava o caminho para o amanhã? Qual o caminho para o futuro? Onde ele fica? Mais dúvidas e um espelho mudo.

Como ser igual às outras? Quais as outras que são o modelo ideal de beleza? “Ostra que me pariu!!!” Gritava muitas no silêncio do seu quarto. “Não poderia eu ter nascido bela?”

A sua inquietação interior a levava a encontrar o menor dos defeitos. Cada imperfeição era cuidadosamente analisada sob o criterioso olhar através da sua lupa.

Nem os passeios pelos corais tinham mais graça. Os carinhos do mar pareciam muito repetitivos e a luz que visitava tênue as profundezas parecia monótona aos seus olhos.

Tarde (teria sido mesmo uma tarde?) e nova visita ao espelho. Janela fechada e somente o seu mundo interior. Tal como a Pérola de Neve das estórias de sua infância se pergunta sobre sua beleza:

- Como posso ser eu bela se aos meus olhos não me agrado?

Silêncio totalmente esperado.

Piscou seu olho esquerdo para o espelho como quem deseja tornar-se íntima. Percebeu que o espelho piscou o olho direito.

Teria aquele espelho adquirido vontade própria?

Sorriu e o espelho retribuiu.

Correu para a janela com o sorriso ainda nos lábios.

Sorriu para o mundo pela sua descoberta. O espelho mostra sempre o inverso.

Flexor Astronomics
Enviado por Flexor Astronomics em 19/04/2015
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