festim
“É um rifle com mira telescópica. Parabéns!”, a mulher diz, esticando o embrulho comprido. Acostumada ao marido, ela sabe que ele adora caça, mas odeia surpresas.
A filha, única e temporã, desfila seus doze anos pela sala em alta velocidade, o marido admira a arma nova, a mulher só serve. Café, jornal, Sucrilhos, pão e manteiga: uma manhã em família.
À tarde, para completar o presente, a filha diz que dorme na vizinha.
Pai e Mãe já são papai-mamãe, quando ele escuta um barulho. Mais homem que nunca - armado e de rifle novo - Pai pára em frente o armário.
“Sai, filho da puta!”, ele grita.
Escuta um rangido, um riso estranho. Seria um rato?. Ele acredita que não. É caçador, sabe a diferença.
“Sai ou leva bala!”.
Ele ouve o barulho de novo e, de repente: “Shh”. Era um “shh” de fato, um “shh” claro e muito humano.
“Eu vou atirar, seus filhos da puta!”
Agora, já imagina dois, afinal, ninguém faz “shh” para si mesmo. Ele arma o rifle e calcula, com certo prazer, a altura dos sacos (os invasores são sempre homens) do Sr Filhodaputa1 e do Sr Filhodaputa2.
“Última chance, filhos da puta... Três segundos para vocês saírem daí”.
Então, ele tem um momento Charles Heston:
“Um Mississipi, dois Mississipis, três Mississipis...”
E outro Tarantino:
“Bam e Bam”, um e outro tiro.
Ele estranha a ausência dos gritos e abre a porta do armário. Muito sangue, algum chantilly e dois pequenos corpos encolhidos: identifica o pijama da filha, os tênis sujos da vizinha e um rascunho de bolo.
Nu, ainda ereto e de rifle na mão, ele pensa que encontrou uma razão para não gostar de surpresas.
(anteriormente publicado nos sites: www.cronopios.com.br e www.blocosonline.com.br )