Quem ama trai?

Quando o encontrei às sete da manhã, Peterson estava numa esquina em uma mesa de bar na rua esmeralda. Estava desalentado e moribundo. Havia quatro garrafas de cerveja vazias sobre a mesa e um copo pela metade.

Mas três coisas me chamaram a atenção: Olhava perdido para a própria mão esticada sobre a mesa, e na mão a foto de sua mulher, amassada, suja de algo indefinido e maltratada. E seus olhos estavam com olheiras profundas. Também havia um colar de mulher em sua mão esquerda que guardou assim que me viu.

Aproximei-me e lhe perguntei:

— Peterson, meu amigo o que houve contigo? Está acabado!

Ficou feliz em me ver e não falava coisa com coisa como se estivesse passando pela pior situação de sua vida. Acabrunhado, olhou-me como se já sentisse minha presença, mas ao que lhe perguntei, era como não tivesse nem escutado. Encarou-me com a certeza de ter a própria resposta à pergunta que me fez.

— Me responda: quem ama trai?

Não lhe respondi nada. Mas continuou falando:

— Eu não sei o que fazer... Minha mulher...

— O que tem sua mulher? Perguntei levando em conta seu delírio momentâneo.

— Às vezes a gente faz umas besteiras... Sabe como é?

Mas o que houve o que você fez? Ele já estava meio tonto, grogue. Eu não o estava levando muito a sério.

Estava a procurar um buraco para enfiar a cabeça, revoltado com a vida balançava as mãos com gestos brutos. Tomava a cerveja em uma golada.

— E a sua filha? Algo de errado com a pequena?

— Ela vai ficar bem. Está tudo bem com ela, não se preocupe.

Preocupei-me com o tom em que suas palavras medidas soaram.

Continuei insistindo para que me contasse o fato.

— você parece que não dormiu bem, não é? Está com arranhões paralelos nos braços...

— A-acho que minha mulher está me traindo...e eu sou um corno! Um chifrudo!

Aumentava a voz quase que gritando.

— Fique calmo meu amigo. Como você pode ter certeza? Você flagrou o caso?

— Claro! E tenho certeza! Essa noite eu não dormi nada como você pode ver. E não estou embebedado.

— E aí?

— Bom... Minha mulher estava trabalhando fora... Ma ela tinha horário fixo para chegar e tem uma semana que ela tem chegado muito tarde.

— Mas e daí? Isso não prova nada.

— Daí que quando pergunto para ela onde esteve me ignora e as desculpas não colam.

— Qual é a desculpa?

— Semana passada que ficou até mais tarde no serviço, antes de ontem passou na casa da amiga para arrumar o cabelo e o pior da história é que ela pensa que sou um idiota.

— Por que acha isso?

— Sou homem e nem por isso não sei o que é um cabelo arrumado!

— Bom se é assim que diz...

— Ontem! Ah, mas ontem foi a gota d'água! Ludimilla chegou cedo, se arrumou toda. Desde que estamos juntos ela nunca esteve tão bonita. Até alguns tons de maquiagem que estava guardado ela usou. Disse-me que ia sair com sua amiga, pois não aguentava mais ficar só dentro de casa com um homem paradão.

— É mesmo? Talvez ela esteja certa. Você não sai com ela. O que você fez?

— Discutimos e ela saiu nervosa. Dei um tempo e fui atrás dela. Estava tão nervoso que sai sem a blusa de frio e fui congelando de raiva. Ela me fez desculpá-la quando vi que passou na casa da amiga e saíram juntas. Comecei a ficar com vergonha das minhas atitudes...

— Aí! Não te falei que não se precipitasse?!

— Ah! Mas não se engane! Vai escutando!

Peterson disse-me que continuou as espreitas e que Ludmila, sua mulher, tomou cerveja, mas para ele disse que não gostava. Aí chegou um cara que as cumprimentou com um beijo no rosto, sentou-se por meia hora. O cara parecia ser intimo de sua amiga, pois parece ela o aguardava. Já sua mulher estava impaciente e olhava muito para os lados como se estivesse também esperando alguém. Ate que Ludmila tirou um lindo colar de sua bolsa e o colocou no pescoço. Mas como estava no jardim atrás de umas flores, sentiu fortes picadas de formigas que o fez desviar a atenção do grupo. Foi quando olhou novamente e sua mulher tinha sumido.

Disse-me que ficou desnorteado com o sumiço repentino da mulher.

— Então me lembrei do colar que ela tirou da bolsa para usar. Aquele colar quem a deu foi um amigo nosso muito chegado à família. Mas ela nunca o usou. Não gostava dele, e nem do sujeito. Então desconfiei e voltei para casa. Peguei o carro. Fui até a casa do sujeito.

— E os encontrou lá?

— Não vi sinal de ninguém. Pois já era mais de meia noite, quase uma da manhã.

— E o que você fez então?

— Subi quieto e calado pelo muro da casa dele. Mas não consegui ver nada. Aí eu vi um ressalto próximo ao telhado e subi em cima dele.

— Em cima do telhado?! Louco!

— Sim e não ficou só por isso, não! Andando cuidadosamente pelo meio mais próximo ao quarto havia uma telha mal colocada. Com cuidado e sem fazer barulho a arrastei e quando a greta foi aumentando... O que eu vi?

— Não diga!

— Os dois, meu amigo, e não me pergunte detalhes...um ódio do tamanho de uma montanha me engole só de pensar!

— Mas quando viu a cena você não ficou doido ou fez alguma coisa?!

— Tive que me conter para não fazer coisa pior. Fui embora da mesma forma que cheguei, porém mais puto da vida! Então agora me responda! Quem ama trai?

Olhei no fundo de seus olhos e eles quase não me agüentaram. Eles tremiam e temiam-me. Puxou a mão tapando uma mordida no dedo indicador e sorriu um leve desespero. Então me levantei, suspirei fundo, bati duas vezes dedo na mesa e lhe perguntei:

— Só se puder me responder primeiro: Quem ama mata?

Geovani Silva
Enviado por Geovani Silva em 21/05/2015
Código do texto: T5249444
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