CHUMBO GROSSO - O FINAL

CHUMBO GROSSO – O FINAL

George, com ajuda de Quinzinho, e o irmão deste, Paulo e Juvêncio,o amigo que tinha o mesmo nome do pároco, os tais que o levaram a casa da Nanã, organizou a partida. Disfarçado de camponês, viajou de carroça até onde deu. Depois ganhou a estrada com um saco ás costas, como se fora um roceiro. Magro, barba por fazer e chapéu provavelmente não seria reconhecido, por ninguém, assim pensou. Evitava os lugares habitados, preferindo fazer o caminho pelo mato e sempre a noite; se escondendo durante o dia. Levava um mapa que os novos amigos o ajudaram a fazer e de resto foi se virando.

Sentiu um aperto no peito, ao despedir-se da velha índia, que o fitou com aqueles olhos pequenos e sábios e não o deixou agradecer o que fizera. Sorriu, quando ele tentou beijar-lhe as mãos. – Vai minino, vai. Vai cumpri sua sina, que é pra isto qui tamo aqui.

Quinzinho o abraçara, sem jeito e resolveu levá-lo na carroça, um trecho do caminho. E fora aos poucos falando, de como desejava, continuar estudando, mas temia desagradar a vó.

Queria ser doutor ou padre, porque os dois segundo ele; podia ajudar os outros. Por sua vez, George o aconselhou procurar o padre Juvêncio, ele certamente o ajudaria. Quando desceu da carroça, agradeceu e saiu sem olhar para trás. Quinzinho ficou olhando, ele sumir, no mato.

No nono dia, chegou à pequena cidade onde ficava a “Igrejinha”, por sorte o zelador já estava sabendo de sua vinda e o deixou ficar hospedado em sua casa.

O encontro, com padre Standislau, foi tranqüilo. George o conhecia dos trabalhos em bairros pobres. Era um homem muito culto e sofrera por perseguições políticas em seu país. Era natural da Romênia. Juntos, traçaram o plano, que levaria George, até Recife. Vestido de padre, George, chegou até Campina Grande, em sua companhia. Dirigindo-se em seguida, de ônibus, para Recife e se refugiou em Olinda, durante alguns dias. Dispondo de algum dinheiro hospedou-se numa pensão modesta e ficou aguardando documentos que o sogro, informado sobre sua situação, estava providenciando, para tirá-lo do país. Ouviu de uma pessoa amiga afirmar quê o seu Adelino, estava também movendo céus e terra para tirar a filha da cadeia, esperava poder mandar os dois para os Estados Unidos, não porque estivesse satisfeito com o genro, mas achava que mulher tem que ficar ao lado do marido.

Dois meses depois estava em São Paulo, trocara o nome de George para Jorge e nos novos documentos sua profissão era de jornalista.

Fez contato com alguns amigos que lutavam contra o regime e foi convidado para reunir-se a eles. Não aceitou, precisava falar com Anna para decidir o quê fazer da vida. Também não estava animado com a possibilidade de sair do país... O povo precisava de gente como ele, pessoas que estivessem engajadas, num movimento para um Brasil mais justo, e isto, ele poderia fazer como professor, distribuindo conhecimento, entre os jovens, principalmente os mais carentes. Um mês depois de sua mudança, para São Paulo, recebeu um telefonema na pensão onde se hospedara; Anna finalmente, fora solta e chegaria ao Rio, dentro de dois dias. Iria ficar casa de uma tia no bairro da Glória.

George viajou no dia seguinte e ficou na casa de um casal de jornalistas, em Santa Tereza... Este casal o ajudou a entrar em contato com a tia de Anna, que prometeu levá-la a seu encontro.

Finalmente conseguiram se encontrar em lugar público, isto se deu nos Jardins do MAM.

Era um domingo, o que foi providencial, pois ali era o local onde os jovens se encontravam para namorar, ouvir música e falar de política.

Anna usava uma peruca loura e óculos escuros. Ele a reconheceu de pronto, mas ficou parado de emoção, ela correu e se atirou em seus braços. A tia se afastou um pouco e os deixou sentados na grama, confundindo-se com os outros jovens que estavam por ali.

Ela estava mais magra, o belo sorriso, já não era tão espontâneo, mas era a mesma.

Anna evitou falar dos maus tratos que sofrera, da pressão psicológica, da dor que sofrera, ao julgá-lo morto... Contou também que dentro de dois dias, iria à Brasília e de lá seguiria para os Estados Unidos. George ouvia tudo calado. Depois foi a vez dele contar o que lhe ocorrera; ainda não fizera planos para o futuro e não tinha certeza se deveria deixar do país... O tempo correu rápido, logo a tia da Ana voltou avisando que eles precisavam ir que não era bom, ficar na rua até tarde... Despediram-se cheios de dor...

Não andaram dez passos quando a tia de Anna voltou, Ele ainda estava olhando-as se afastarem. – George, me encontre no bar, Amarelinho, daqui a duas horas, não prometo nada, mas vou ver o que posso fazer.

George nem foi para casa, ficou perambulando pelos jardins do MAM, precisava decidir o quê fazer da vida. Não queria sair do país, não era bandido, era professor, lutara muito por isso... Mas sabia ser difícil depois do AI -5 em 1968.

O Golpe Militar de 1964 aos pouco foi endurecendo o regime, e com a aprovação do AI-5, instituiu-se o regime de terror no Brasil. Pessoas eram presas sob suspeita de terrorismo, mesmo sem investigação prévia, a imprensa era censurada, artistas presos, estudantes desapareciam. George sabia disso, porém não tinha medo, era um nacionalista e amava seu povo.

Duas horas depois do encontro, ele esperava a tia de Anna, no bar combinado ela chegou com uma moça, com a mesma peruca loura, usada por sua mulher, à tarde. Pediram um Martini, e enquanto bebia dona Lígia, esse era o nome da tia de Anna, explicou. - Vou dar a você à chave da casa onde Aninha está hospedada. O endereço está no guardanapo, pegue minha mão disfarçadamente. Consegui que minha amiga nos ajudasse, mas amanhã antes das seis horas, você deverá ir embora, pois o porteiro pode desconfiar, hoje, ele está de folga, mas estará na portaria as seis e trinta de amanhã. Ao chegar ao apartamento não bata, Anna vai abrir a porta, tão logo ouça passos, procure não ser visto por ninguém – George segurou-lhe a mão, por sobre a mesa e lhe sorriu, concordando. Logo depois saíram calmamente, em sentido oposto.

A pé, George se dirigiu para Rua Gomes Freire em busca do número onde estava, sua companheira.

Ao entrar Anna estava a sua espera, trancou a porta e só então se abraçaram, os meses de solidão, a saudade, tudo acabara naquele instante... Amaram-se, ali mesmo na sala, não tiveram tempo, de chegar ao quarto.

Quando o sono chegou pra ela, George quedou-se a olhar cada traço d’aquele rosto. Ela o abraçou, mesmo dormindo, ela buscava o seu abraço...

O sol de abril, ainda sonolento, penetrou, sutilmente pela fresta da janela e um desejo urgente o tomou. Acordou-a, com beijos suaves, e ela sorrindo se entregou.

Tomaram um café rapidamente evitando falar... Era hora de partir. Ela o acompanhou até a porta e o puxou para um último abraço, enquanto silenciosamente, lágrimas desciam em seus rostos... e ainda uma vez, ele a afagou.

No outro dia, Anna viajou para Brasília e de lá seguiu para Miami. George voltou a São Paulo. O sogro não conseguiu embarcá-lo. Agora na clandestinidade, resolveu filiar-se ao partido comunista, para lutar pelo seu país. Em setembro de 1971, cinco meses depois, da partida de Anna, George desapareceu... Aumentando a lista dos desaparecidos, nos Anos de Chumbo...

Em 1985, favorecida, pela Anistia aos presos políticos, Anna regressou ao país.

Ao desembarcar com o filho, George, os pais, os aguardavam ansiosos e emocionados. O menino de 13 anos pisava pela primeira vez, no solo, pelo qual seu pai, dera a vida. Herdara os olhos agateados do pai e o rosto determinado da mãe. Correu para abraçar os avós, por parte de mãe. A poucos metros, um casal de aparência simples, olhavam a cena, comovidos.

A mãe de Anna pegou o menino pela mão, - venha eu tenho uma surpresa pra você, falou.

Estes, são os seus outros, avós. - O menino os olhou longamente e depois os abraçou e só então, e pela primeia vez, chorou pelo pai.

Jacydenatal

15/06/2007