Um regresso feliz

Aquele velhinho bondoso. Olhe para ele. Poderia ser o seu avô. Seu cabelo branquinho, bem fino, quase transparente. Milagrosamente sem sinal algum de calvície, apesar da idade avançada. Setenta e poucos, oitenta anos, talvez?

Sua camisa listrada é amarela e impecavelmente bem conservada, parecendo que acabou de ser comprada na mais famosa camisaria da década de 30. Curioso como parece ao mesmo tempo tão nova e tão antiga.

Competindo com a alvura do seu cabelo, suas grossas sobrancelhas e seu bigode enorme. Uma figura engraçada. O vovô bonachão. Cheio de histórias para contar.

Seu relógio é prateado, grande demais para seu pulso enrugado, relógio de marca, pode-se perceber. Em suas mãos acumulam-se milhares, senão milhões, de pequeninas sardas marrom-claras.

Na mão direita segura, e ao mesmo tempo brinca com, uma bengala de madeira, envernizada, balançando-a, girando-a. Na esquerda segura um saco com frutas. Parecem maçãs, talvez tangerinas, não é possível precisar através da sacola. Pode-se ver a ponta, furando um pedaço do plástico, de uma faca, na certa para descascá-las. Tomara que não se machuque.

Perceba sua fisionomia. Repare como seus olhos sorriem. Parece alegre, encantado com o simples fato de estar vivo. Alguém que atravessou as décadas e soube extrair o melhor delas.

Veja. Uma bela jovem senta-se à sua frente, e ele lhe sorri. Provavelmente se parece com a sua netinha. Talvez ele até mesmo esteja indo visitá-la. O vovô bajulador.

Na hora de sair do ônibus, coincidentemente no mesmo ponto da moça, que acaba de descer, ele repara como a noite está escura. Olha para ambos os lados, ressabiado. Será que tem medo das trevas?

Não.

Sem que ninguém perceba, puxa as mangas da camisa para baixo, escondendo as várias tatuagens que possui no braço, esverdeadas e mal-feitas, que revelam a sua história. Ninguém pode perceber que, depois de anos, muitos anos na cadeia, ele retornou. Bom comportamento, há! Apressa o passo atrás da garota, observando suas curvas sob o único poste de luz que existe em quilômetros. O violador está de volta.

Renato Arfelli
Enviado por Renato Arfelli em 17/06/2007
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