Projeto Justiceiro

Como é difícil criar uma fantasia tão descolada como a dos super heróis dos quadrinhos!

Tentei oxford, mas ficou esquisito. Comprei uma malha fria mesmo, cor preta e com muito trabalho fiz um capuz, dois furos redondos para os olhos, um outro para a boca. Ridículo, mal conseguia enxergar algo! Tentei fazer um tipo de venda com dois furos maiores, onde cobriria apenas uma parte do rosto. Patético, qualquer um poderia me reconhecer com aquilo...

Após muito trabalho e tempo perdido, cheguei à conclusão de que a fantasia não era tão importante. Seria do jeito que desse para fazer, não importando se ficasse ridículo. Faço o capuz com malha fria mesmo e costuro um elástico na base, para não ficar soltando. Espero me acostumar com estes buracos para os olhos. Visto uma camisa de manga comprida na cor preta, uma calça jeans preta, minha bota preta de couro para andar de moto e um par de luvas também pretas de motoqueiro. Por cima, prendo o "cinto de utilidades à la Batman"; algo que eu mesmo criei, inspirado naqueles cintos para trabalhos em altura. Na verdade, usei um destes como base e prendi diversos bolsos ao longo do arreio. Adaptei também as bainhas de duas facas de caça que tenho.

Paro em frente ao espelho e fico olhando abismado para a figura engraçada e exótica refletida. Falta um nome, não sei ainda qual. Deixa pra lá, não estou em busca de reconhecimento. Quero apenas fazer algo, ser útil além do dia a dia, tentar fazer justiça por métodos diferenciados.

Preparo todo o equipamento, cada um em seu devido lugar: as duas facas, cada uma em sua bainha, presas no arreio do cinto na área da cintura. Por fim, pego a besta. Comprei no Paraguai alguns meses atrás e desde então venho treinando, atirando em pedaços grandes de isopor, correndo pelo o quintal de casa e tentando acertar o alvo. É, não foi fácil, mas após dois meses fazendo isso quase todas as noites, finalmente peguei algum domínio sobre a arma.

Me julguei pronto, finalmente. Prendi a besta nas costas, peguei meu capacete, liguei minha moto e parti.

Sabia aonde ir e o que iria enfrentar. Sabia meus motivos. Sabia o que procurar, afinal.

Deixei a moto em uma casa em construção, escondida nas sombras da noite. Subi no muro lateral e um frio subiu pelo o meu corpo. Nunca havia invadido qualquer lugar, feito qualquer irregularidade. Sempre procurei seguir a lei minuciosamente e agora estava ali, prestes a pular ilegalmente no terreno alheio. Saltei sem pensar muito e fui correndo pelos os fundos até o outro lado. Ninguém me viu. Subi no muro e então me toquei que poderia ter topado com um cachorro. Vacilo. Olhei mais atentamente antes de saltar para o próximo terreno, não havia sinal de animal algum. As luzes também estavam apagadas, afinal já passavam das duas horas da madrugada. Saltei e corri novamente até o outro lado. O muro era mais alto, mas consegui subir. Assim foi por mais dois terrenos, até chegar no quinto, o meu alvo. Subi no muro, ainda pelos os fundos e vislumbrei o local. Havia alguns coqueiros e outras plantas distintas. Pulei atrás de uma delas e me agachei.

Diferentemente das outras casas por onde passei, aquela estava com várias luzes acesas. Havia movimento lá dentro. Era uma boca de fumo, antiga no local, levando-se em conta o quanto um "comércio" daquele consegue existir. Dois caras saíram até a varanda dos fundos, iluminada por duas lâmpadas incandescentes. Um deles ascendeu um cigarro e o outro segurava um pequeno saquinho. Este último abriu o pacote e enfiou o dedo, retirando-o com um pó branco grudado. Cocaína, pensei. O meliante mostrava o pó ao colega, afirmando positivamente alguma coisa que eu não escutava. A distância da varanda até onde eu estava era de quase quinze metros. O fumante jogou o cigarro na terra e voltou para dentro da casa; parecia entediado. O segundo ficou na varanda, agora mexendo no celular distraído. "É agora, tem que ser", minha mente cogitou.

Apesar do tempo que levei para tomar coragem, creio que poderia ter pensado mais antes de agir. peguei uma pedra e atirei no rumo onde eu estava, paralelamente ao outro lado do terreno. A pedra acertou uma lata e o barulho foi mais alto do que pretendia. O sujeito levou um susto e quase derrubou o celular. Era magrelo, usava uma roupa característica de marginal, nada fora do normal para a classe. "Mas que porra", gritou ele.

Aí é que a bagunça teve início. Não imaginei que ele fosse chamar os outros, mas foi o que fez. Mais dois caras, incluindo o entediado que estava fumando antes, apareceram pela a porta. Um deles segurava uma pistola. Meu coração gelou, meu corpo estancou e minha respiração era tudo o que eu escutava. O magrelo apontava na direção onde a pedra caiu e gritava qualquer coisa. O cara da arma foi até lá, acompanhado pelo o fumante.

- Se tiver alguém aí, é melhor sair, malandro!

- To falando sério, porra. Sai agora se não quiser levar bala - O marginal gritava na direção da pedra.

Sei que foram apenas segundos, quase um minuto, que se passou, mas me pareceram horas até que ele se convenceu de que era apenas um gato. O sujeito estava voltando com o seu parceiro, quando o magrelo fitou em minha direção. Seus olhos estavam arregalados. Ele havia me visto, não sei como!

Tudo se passou rápido. Ele gritou para seus comparsas, apontando na minha direção. Peguei a besta rapidamente, o dardo já estava engatilhado. Era uma besta pequena, simulava uma pistola e o dardo não media mais do que 10cm, com a ponta de aço.

Sem tempo para pensar, destravei a arma e apontei para o cara da pistola. Ele já vinha na minha direção, também apontando a arma. A diferença crucial foi que eu o estava vendo claramente e ele mal me via, seguindo apenas a orientação do magrelo na varanda. Quando se aproximou uns cinco metros de mim, disparei. O dardo voou à uma velocidade que eu não consegui acompanhar. Tudo que vi foi o sujeito da pistola jogando a cabeça para trás, caindo de bunda no chão. Ele gritou e a arma disparou, acertando a parede ao meu lado. O fumante ficou assustado olhando para o parceiro. O magrelo gritava qualquer coisa. Levantei já engatilhando o segundo dardo. Com a prática, levei menos de três segundos para tal. Apontei para o fumante e atirei. Ele mal teve tempo de reagir, levantando a mão direita até o rosto. O dardo atravessou-a. Ele também gritou. Engatilhei outro dardo e atirei novamente, acertando o peito do sujeito. Uma quarta vez e o dardo foi parar na testa do cara com a pistola, ainda caindo no chão com o primeiro projétil fincado em seu olho esquerdo. Ele parou de se mexer, ficando totalmente imóvel. O fumante começou a vir à minha direção, alucinado, seus olhos eram puro ódio. Joguei a besta no chão e puxei uma das facas. Ele tentou me agarrar pelo o pescoço, mas consegui me esquivar para baixo e desferi um golpe em seu peito, ao lado do dardo. A faca penetrou a pele com certa dificuldade, mas senti que transpassara uma das cavidades da caixa torácica. Ele desfaleceu sobre mim na mesma hora. Joguei seu corpo para o lado e foquei no malegro da varanda. Ele não estava mais lá.

Peguei a besta do chão e engatilhei mais um dardo, recolocando a faca na bainha. Corri até a lateral do muro e depois até a borda da varanda. Me agachei ao lado de um tanque e tentei me acalmar. De lá eu vi os dois homens que matei e não senti absolutamente nada à respeito. Parecia no momento algo natural à se fazer, como um serviço ao qual somos designados. Voltei minha atenção para dentro da casa, ouvidos atentos, mas nenhum barulho vinha de lá.

Lentamente cheguei ao lado da porta que ligava a varanda ao interior da casa e espiei. Não havia movimento, então entrei. Calmamente fui inspecionando os cômodos, sendo mais silencioso do que eu jamais pensaria que poderia ser. Por fim, cheguei até a sala e vi que a porta da frente estava escancarada. No ambiente, reparei algumas mesas com maconha e cocaína. Na cozinha, alguma outra droga estava sendo fervida numa panela de ferro. O cheiro era forte e senti um pouco de náusea. Fui até a varanda da frente e vi o portão também escancarado. "Maldito, fugiu!". Ouvi várias pessoas conversando nas casas vizinhas. "Devem ter escutado o tiro", pensei. "Melhor sair".

Meu coração estava à mil, suava frio por baixo do capuz preto, minhas mãos até tremiam, mas acima de tudo, tentei manter a calma. Corri de volta para os fundos e fui pulando muro por muro até a casa em construção. Na maioria, as pessoas ainda dormiam. Em duas delas, alguns moradores conversavam assustados na varanda da frente. Cheguei até minha moto e comecei a sentir alívio ao tocar o tanque gelado e montar nela. Dei partida e voltei para casa, já com o capuz e todo o equipamento guardado em minha mochila.

Naquela noite, ao dormir, eu sabia que tudo agora seria diferente. Mesmo que eu não desse continuidade ao trabalho, aquelas duas mortes me perseguiriam até o final de minha vida.

Naquela noite, na verdade, eu soube que era apenas o início...

Luiz P Medeiros
Enviado por Luiz P Medeiros em 09/07/2015
Código do texto: T5304968
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