A Rosa


Esperava sentada no banquinho do Passeio Público, pernas recatadamente unidas, vestido novo de ir à missa.
Ele combinou com ela de encontrarem-se naquela tarde de domingo.
"Eu nuca fui ao Passeio", ela disse. "Fica muito longe da minha casa".
Ele riu, beijou a palma de sua mão e consultou o relógio. Era hora de voltar à Faculdade.
As moças saíam do externato como pássaros em revoada e ela, com seu jeitinho tímido, livros apertados junto ao peito, parecia uma rolinha assustada.

Era uns dez anos mais nova que ele.
Pensava no seu corpo macio, a pele morena destacando-se entre os lençóis brancos da casinha que ele e os amigos mantinham para encontros amorosos, os cabelos negros dispersos sobre o travesseiro e aquela boca carnuda beijando avidamente seus olhos, seu rosto, seus lábios.
"É claro que nos casaremos", dissera ele. A família não iria se opor. Não tinha nada de mais um acadêmico de Direito, filho de juiz, casar-se com uma normalista pobre, pois que ela não era boa, direita e prendada? Isso bastava. Teriam uma casinha no Benfica, ela inclusive poderia levar a mãezinha para morar com eles.
Ela sorriu docemente e o amou mais ainda. Eram sós no mundo, ela e a mãe, uma costureira bondosa que perdera o marido em um acidente de trabalho. A firma nunca indenizara-a e nem ela se importava. Tinha o seu ofício e com ele sustentava a casa e a filha que ajudava-a nos gastos ensinando reforço escolar a pequeninos.

Deitado na cama ele adorava vê-la vestir-se, enquanto fumava um cigarro. A seriedade com que punha as meias, a anágua, o uniforme do colégio. Ela sorria de leve sentindo os olhos dele apreciarem cada movimento seu.
Dizia que estava faltando muito às aulas. As freiras iriam reparar. Em frente ao espelho ela penteava os longos cabelos negros e prendia-os com uma fita azul.
"Ela é deliciosa", ele pensava. "Deliciosa".
Comentara sobre ela em um encontro no Náutico, os amigos fizeram um brinde à morena Rosa.

Estava ficando tarde e ela começou a desassossegar. Os homens passavam e tocavam na aba do chapéu, cumprimentand0-a. "Deveria ter trazido uma amiga", pensava ela. Não ficava bem uma moça andar sozinha.
Mas era um encontro especial. Tinha certeza que naquela tarde ele a pediria em casamento, com um buquê de rosas e um beijo de amor.
Seus olhos serenos observavam as moças da ala dos ricos, já para perto do mar. Vestidos finos, pequenos relógios de pulso, andavam de braços dados em alegre conversação. Tantas moças lindas, ricas, que falavam francês e tocavam piano e ele, rapaz de família tradicional escolhera-a, a filha da costureira, para ser sua esposa.
Tivera sorte. Era o seu primeiro namorado, primeiro homem, primeiro amor. Seriam um do outro para sempre.

Quando os lampiões acenderam-se o coração dela deu um salto. Ele estava de pé, em frente ao portão, paletó de linho, um buquê de rosas. Terminava de fumar um cigarro. Seus olhos se encontraram.
Abriu o portão. Entrou. O sorriso de moça já dançava nos lábios dela. Tomada pela emoção levantou-se, as faces coradas, as pernas trêmulas.
Ele atravessou a alameda, aproximou-se, chegou perto dela, passou direto.
Ela continuou sorrindo, os olhos brilhando. Seria uma brincadeira?
Lá na frente, na ala dos ricos, uma jovem loura, de olhos azuis e beleza rara, abriu um sorriso e estendeu-lhe as mãos. Ele a enlaçou pela cintura, beijou-lhe os lábios e a ergueu, rodopiando e rindo, o laço do buquê se desfazendo.

Nem repararam quando uma Rosa caiu no chão.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 12/07/2015
Reeditado em 12/07/2015
Código do texto: T5308659
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