A Hora do Angelus

Parado no sinal vermelho ele pensava com seus botões. Estava farto daquela vida, o salário baixo, o estresse, o trânsito caótico da capital. "Mas é por pouco tempo", pensava. Estava estudando para o concurso da prefeitura nas horas de folga. Passaria, tinha certeza. Era inteligente, sagaz. Não começara a faculdade por puro comodismo mas era novo, tinha o ensino médio. Entraria no curso de Direito quando passasse no concurso. Por enquanto tinha que contentar-se com o emprego de motorista de ônibus.
"É por pouco tempo", pensou, acelerando.

Quando passou por baixo da passarela avistou uma mulher de preto dando sinal. Pensou em parar no entanto não o fez. Estava de mau humor. Ela que pegasse o próximo.
O sol se escondia na linha do horizonte enquanto ele ia e vinha cumprindo a rota entre terminais.
Pela boca da noite, na parada escura da bifurcação, três jovens  deram sinal, duas moças e um rapaz.
"Um casal e uma novinha", pensou, um sorriso safado dançando nos lábios. Aquela noite não dormiria sozinho. Pediria o celular dela quando chegassem ao terminal.
"Será que ela é de menor? Mas e se for, que é que tem?" E deu risada.
Pelo espelho ele viu os três jovens passarem pela catraca, as meninas de tops e shorts minúsculos mal encobrindo os corpos esguios. A mais nova tinha um anjo tatuado na coxa e ele imaginou se ela teria mais tatuagens.
Os três adolescentes foram para a frente e sentaram-se nas cadeiras altas.

Em poucos minutos o rapaz ergueu-se, anunciando o assalto. Houve um barulho de espanto entre os passageiros. Mulheres rezavam. Homens pediam calma ao rapaz que ficou perto dele, revólver em punho, enquanto as meninas recolhiam os pertences dos passageiros, celulares, relógios e carteiras, depositando-os em uma mochila.
"Continua dirigindo e não para, vagabundo!" Disse o rapaz sem olhar para ele.
 
Estava apavorado. Nunca passara por um assalto. No entanto o ódio por ser chamado de vagabundo era mil vezes maior que o medo.
"Maldito país que não manda adolescentes pra cadeia", pensou, sem lembrar-se que por pouco não fora pego, aos dezesseis anos, com uma considerável quantidade de maconha na mochila. Durante a blitz os policiais não o revistaram porque era branco e estava com o uniforme do colégio.
Quando chegou no sinal ao lado do posto avistou uma viatura da polícia. O sinal estava fechado, que sorte!
Parou o ônibus e o rapaz gritou "abre a porta, vagabundo!"
Com uma mão ele fingiu abrir a porta e com a outra buzinou bem alto, chamando a atenção dos policiais que correram em direção ao veículo. Os passageiros, apavorados, gritavam "abre a porta, motorista!" Ele vai te matar!" O revólver do rapaz não tinha balas no entanto, ao vê-lo apontando a arma em sua direção, ele abriu a porta. O rapaz desceu correndo, seguido pelas comparsas que largaram a mochila no chão para facilitar a fuga.
 
Foi tudo muito rápido. Pularam a cerca de arame e fugiram pelo matagal. Os policiais pularam atrás, na tentativa de capturá-los.
Dentro do ônibus uma senhora olhou para ele e gritou. Quando se virou para olhar, o sangue espirrou na vidraça.
Ao passar correndo a novinha, com tatuagem de anjo, cravara-lhe um canivete no pescoço.
Quis levantar-se mas perdeu as forças, resvalando sobre o painel. Sua mão inerte caiu pesadamente sobre o botão do rádio, acionando-o.
 
Fechou os olhos para sempre, ouvindo ao longe o locutor anunciar A Hora do Angelus.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 13/07/2015
Reeditado em 23/07/2015
Código do texto: T5309903
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