Nascimento do poema

O domingo desacontencia em uma tarde de inverno, e as palavras, até então esparramadas entre as coisas, em folga, dançantes ao vento, passaram a disputar um lugar no poema. A poesia, na ânsia de uma justiça não corrompida, antecedente ao surgimento da própria palavra, resolveu reduzir as palavras, abraçando-as umas às outras, reconstruídas de autofagia e memória, onde dor foi engolida por prazer, prazer por vida, vida por rio, rio por mar, mar por céu, céu por tempo, tempo por natureza, natureza por amor e amor, no quase fora das línguas, na ardência de um fogo primitivo, no olhar do animal espelhado no rio, lá onde o homem ainda seria um por vir, amor foi engolida por silêncio. Silêncio, então, na ancestralidade primeira de todas as línguas, chorou a ânsia nossa de tradução e entendimento. Nascia o poema.