Nota da autora: a série "Vingança" é inspirada no cartunista Henfil, que enterrava vivos os apoiadores da Ditadura Militar no fantástico cemitério do Cabôco Mamadô. No meu caso, trata-se de figuras que, de alguma maneira, foram descorteses comigo, me fizeram mal ou raiva.


O Terminal

Chegava na parada era cedo. Ficava lá, em pé, horas e horas, à espera do ônibus do seu paquera.
Magra, desenxabida, bunda seca, ela se achava irresistível e ademais correspondida em suas afeições. Pintava a boca murcha de vermelho que nem uma bicoara, lambuzava o cabelo de Neutrox, pegava sua Beco Bag e saía.
No entanto uma coisa vinha acontecendo; uma negona de terno preto, duas vezes a altura dela, fazia que ia entrar no ônibus de 06:45 e lá ficava, na frente, esperando o próximo que, no caso, era o do motorista dela. Tinha inclusive a atrevessença de ficar na sua frente para dar passagem aos outros que iam em pé mesmo.
Ela aguentou uma, duas, três semanas. A negona já tava abusando. E se... E se ela também estivesse a fim do motorista? Sim, porque ela só pegava o ônibus das sete também... Ficou desconfiada e pro ciúme foi um pulo.

O motorista merece um aparte; feio, magro, um urubu todo. Mas era solteiro e sabia que as mulheres consideravam-no um partidão, ainda mais depois do aumento dado pelo Sindiônibus. Quando o terno preto descia, olhava bem para a cara dele e agradecia. E ela pensava "ela quer meu corpo nu". Hum! Olhava mas era pra mangar, mesmo! Certas figuras são literariamente reutilizáveis.

Um dia em que a negona fez o de sempre ela cutucou o seu braço, no que foi sumariamente encarada por um par de olhos desconfortavelmente inquisidores.

"Ei, você vai entrar?"
(Oi? Você?) pensou o terno preto mas como estava aborrecida demais para brigar relevou o ultraje).
"Não".
"Pois eu tou na fila".
"Tou vendo."

Quando o ônibus das sete chegou a lagartixa se esgueirou e passou na frente do terno preto que entrou em seguida mas oh! que decepção! Justo no dia em que ela vestira sua calça pré-lavada bem arrochadinha para quando descesse o motorista reparar na sua bunda ( ? ) ela viu, debruçada sobre a proteção do motor, uma lourona tipo rapariga, de shorts bem curtinhos e uma tatuagem na perna torneada, em alegre conversação com o motorista., pegando na mão e tudo.
O motorista parecia pinto em bosta,todo felizão por ser objeto de atenção da loura.
A catiroba viu naquele momentoo seu sonho de amor esvair-se.Não ia mais ter namoro, casamento, filhos. Entristeceu-se sobremaneira. Derrotada, desistiu de sentar-se nas cadeiras altas,foi para o fundo do ônibus mas quando estava prestes a sentar-se na única cadeira vaga um sabido foi mais esperto e sentou primeiro.

E ela foi, em pé e de coração partido, da Parangaba ao Papicu.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 21/07/2015
Reeditado em 23/07/2015
Código do texto: T5318298
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