A Morte do Dr. Jung
 
Tinha lá suas qualidades, inegavelmente. Atendia de graça à população carente, dava remédios e apoio afetivo. Foi aí que ele errou e assinou sua sentença.

Na relação médico-paciente, um aperto de mãos é o suficiente para estabelecer-se uma convivência pacífica. Mas o Dr. Jung quebrava o protocolo, era carinhoso demais. Abraçava suas pacientes calorosa e demoradamente. Decerto acreditava que um abraço fosse capaz de curar muitas dores e é. Mas a gente sabe: há pacientes e pacientes.

Certo dia apareceu em seu consultório uma moça com princípio de depressão. Ele acompanhou todo o processo doloroso, o avanço da doença, as crises de choro, a tentativa de suicídio. Viu aquela flor despetalar-se na intempérie da enfermidade.
Tomou o caso para si de um modo absolutamente parcial. Adorava tê-la em seus braços, tão vulnerável, afagar seus cabelos, beijar-lhe os ombros, o pescoço e o rosto, murmurando ao seu ouvido palavras carinhosas.
Deu de atender a todos os pacientes e deixá-la por último. Quando todos saíam ele trancava as portas, tomava-a nos braços e começava a sedução sem que ele próprio, talvez, se desse conta do mal que resultaria de tudo aquilo.
A moça não sentia nada. A doença turvara-lhe-lhe os sentidos, era como um pedaço de pau mas, conforme a medicação ia surtindo efeito, ela renascia como broto verde em cepo. Começou a notar como o Dr. Jung era atraente, seus braços fortes, o peito peludo, o cheiro de homem. E o inevitável se deu; apaixonou-se.
Por muito tempo ela represou esse sentimento até que a parede do peito não suportou a pressão e a paixão sangrou, livre e selvagem formando um rio escarlate, esplendoroso.
O Dr. Jung levou o assunto ao Dr. Freud. Confabularam e ele saiu do consultório de seu mestre na certeza de ter encontrado a solução. Esperou a jovem telefonar. Mal sabia ele que ela sequer ousava pensar em ser correspondida em seus afetos, queria apenas que o sonho crescesse para fora e avistasse a luz do Sol.

No dia em que a moça lhe telefonou ele a humilhou impiedosamente. Disse que não queria nada com ela, nada, nem amizade. Que ela não o procurasse nunca mais, inclusive transferiu aquele caso para outro médico.
A jovem custou a assimilar tamanha crueldade vinda de uma pessoa que penetrara nos tesouros do seu coração. E recolheu-se em si mesma como era do seu feitio.

Ah, Dr. Jung... Se você tivesse lido menos e vivido mais, saberia que uma coisa é a teoria e outra muito diferente é a prática. Sentia-se o pai castrador que o Dr. Freud citara. Fizera o certo, a pequena o esqueceria e arrumaria um namoradinho.
Lindo o seu pensamento, Dr. Jung. Aliás a teoria é uma coisa linda.

Passaram-se os anos e ele esqueceu-se de sua antiga paciente.
Uma noite, quando estava de plantão no hospital, o celular tocou no momento em que ele ia descer as escadas para descansar. Pegou o aparelho, verificou quem estava a ligar e atendeu com raiva mas foi tudo muito rápido, o empurrão, rolar escada abaixo e quebrar o pescoço.
Perto do corpo, no viva-voz, uma pessoa que estava registrada na agenda como pc (paciente chata) chamava "doutor? Doutor? Alô?"
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 23/07/2015
Reeditado em 23/07/2015
Código do texto: T5320912
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