A origem das ruas

No começo, não havia ruas. Era um grande e largo caminho, margeando todos os lugares visíveis. Num tempo em que caminho não era ainda palavra. Caminho era só um acesso, sem filologia e línguas. Um espaço para pés e visão habituados ao percurso. Um entorno de tudo. O círculo da própria vida. De repente, um desmoronamento cuja causa, como toda causa, é matéria do passado, exigiu uma primeira bifurcação, um caminho alternativo. E o que parecia ser um fenômeno geológico, uma ruptura na terra, o traço de um mapa a ser desenhado ante a fenda aberta, transpôs os poros e migrou para dentro, o universo interior, a zona da vontade. Nascia a possibilidade de escolha, que ainda não sabia o vir a ser do seu batismo: a liberdade. Ela que, até então, vivera encoberta, morta-viva, como quem existe mas não se sabe, acordou com fome. O desjejum – a visão do isto ou aquilo combinada com o desejo de novas erupções e desmoronamentos, para a abertura de outras vias – deixou furioso o destino, amigo íntimo da causalidade inexorável da natureza. E a guerra se instalou. Liberdade de um lado, o inevitável doutro, ambos ferozes e indomáveis. Muito se fez, por cada um, na tentativa de fundar um império. Amor e Razão tomaram partido e arrebanharam exércitos, de cada lado. Uma guerra, até hoje, sem vencedor e vencido. Mas o mundo foi dividido em muitas ruas... milhares ou milhões de ruas...pela ambição de ambos, liberdade e destino, em provar que, de um lado, a escolha por transitar em cada uma delas pode ser feita e, doutro, que as esquinas do mundo estão aí a nos colocar face a face com aqueles e aquilo que nos pareciam impossíveis.