Esperando papai

Quando a sombra da casa envolvia todo o terreiro, apenas a campina adiante recebendo os últimos raios do sol, eu sabia a hora de papai chegar do campo, trazendo pás e enxada no dorso da mula. Como eu desejava o abraço daquele homem cansado, cheirando a mato, a pele luzidia depois de um longo dia na roça! Um aroma de café e cuscuz permeava o alpendre: mamãe também fazia a festa ante a chegada do nosso herói. Uma revoada de pássaros percorrendo os céus, ovelhas balindo na trilha rente ao rio, árvores ruidosas açoitadas pelos ventos... Meu olhar perdido na curva da estrada, logo eu escutaria um assobio musical; disputaria uma corrida com Spyke, o nosso cão, mas o primeiro encontro pertenceria a mim; eu seria embalado por suas mãos e braços robustos, montaria em seu cocuruto e brincaríamos de canguru, saltitando indiferentes aos protestos caninos. Por trás das serras, dentro de instantes, cores avermelhadas anunciariam o poente; um espetáculo em chamas proclamaria a chegada de uma noite salpintada de estrelas, o frescor da brisa desfraldaria as cortinas das janelas. Eu era o seu homenzinho, seu campeão... Como eu gostava daquela fala mansa, do seu hálito quente, do seu gesto engrandecido de me acarinhar!...

Olhando ripas e caibros, olhos direcionados ao teto, eu escutava atentamente suas histórias. Ele apertava minhas mãos quando a narrativa alcançava um curso de espanto ou medo, dando-me segurança, fortalecendo o meu espírito. Eram casos acontecidos nas lonjuras dos campos, vividos por vaqueiros ou agricultores das imediações. Eu adormecia ainda embalado por sua voz aveludada e sonhava trechos onde ele mesmo vivia as ações.

Hoje minhas tardes misturam-se aos barulhos da cidade grande, o sol esconde-se por trás de inúmeros arranha-céus, e não há a curva da estrada para eu voltar as minhas atenções. Em meio a um trânsito ensurdecedor, regresso à minha casa após um dia exaustivo. No percurso, vou recompondo uma história antiga, inextinguível, muito viva em meus pensamentos. Uma música, em forma de assovio, abranda minha alma e repõe minhas energias.

Rui Paiva
Enviado por Rui Paiva em 28/07/2015
Código do texto: T5326841
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