Conversa de Anjos

Numa pacata cidade, havia um triste bairro pobre.

Gente que trabalhava em minas de carvão morava ali, naquele morro de complicado acesso.

Embaixo, circundada de eucaliptos, situava-se a região onde habitavam pessoas de melhor sorte e qualidade de vida.

À noitinha, os carvoeiros sujos da poeira das galerias escalavam seus degraus numerosos e acolhiam-se em suas rudes casas, para relaxar o corpo dorido e cansado.

O casario era um conjunto de tábuas amontoadas e folha-de- flandres.

Num destes barracos, à luz de uma vela, a pequena Lívia rabiscava alguma coisa em seu caderno. Parecia não acertar o que fazia, dada a quantidade de papel amassada e jogada no cesto do lixo.

Quando a mãe entrou em seu quarto e a viu fazendo beicinho, “cara de poucos amigos”, aproximou-se delicadamente pondo a mão em seus cabelos e perguntou: “Oh , minha querida, o que te faz incomodar?”

“Mamãe, não tô conseguindo desenhar um anjo! A senhora já conseguiu ver algum?”

A jovem senhora sentiu uma indescritível ternura a rondar-lhe a mente.

Trocou calmamente a água de um vaso posto no peitoril da janela, uma fontezinha onde os pássaros vinham bebericar todas as manhãs.

“Sim, minha florzinha, claro que sim”, respondeu com musicalidade a bondosa mulher.

“Ah, mãe, conta prá mim: quando que ele vem ter com a senhora?”, seus olhinhos igualavam-se a duas pedras preciosas.

A mãe extremosa fixou o olhar sobre a lâmpada do poste que iluminava o beco, boa parte da luz mergulhava na límpida água do recipiente.

“Minha filha, eu vejo um todos os dias quando venho dar-te o beijo de boa-noite, quando estás a conversar com Deus”.

A doce criança esboçou o sorriso inimitável dos anjos.

O infinito estava crivado de estrelas, o luziluzir refletia-se na água renovada da vasilha.

No mesmo instante, um pássaro cor-de-rosa pousou na janela e, com o biquinho sedento, bebeu um pedacinho do céu.

Rui Paiva
Enviado por Rui Paiva em 28/07/2015
Código do texto: T5326862
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