Redenção

Acordara entorpecido. Não somente porque havia sido demitido do emprego no dia anterior e ouvira a frase dita pelo chefe durante a noite inteira em sua mente (“você não serve mais para os nossos serviços. Pode ir embora”) e por isso não conseguira pregar os olhos nem ao menos por meia hora seguida, mas também por estar de saco cheio de tudo.

Sua vida parecia um espiral, sempre com a mesma rotina, as mesmas pessoas, os mesmos afazeres, as mesmas notícias... Sentia-se um robô, programado para realizar atividades inócuas, que não lhe proporcionavam bem-estar algum.

Irritado, levantou-se. Estava pesado, como se uma força o puxasse e não o deixasse colocar-se de pé. Em sua mente, já decidira: não iria nunca mais ver o sol nascer.

Andou pelo corredor até a cozinha; passando pela sala, pôde ouvir mais uma notícia no telejornal, relatando o caso de um abuso sexual sofrido por uma criança de apenas dois anos de idade e outra sobre um sequestro relâmpago sofrido por um jovem que acabara de sair de casa para estudar. Não compreendia por que seu pai, assim como tantas pessoas, conseguia assistir a esse tipo de jornalismo a todo instante. É claro que o mundo está cheio de mazelas, mas, para que se torturar e entrar no círculo de medo espalhado pelos meios de comunicação de massa? Tudo isso lhe causava ânsia.

Já na cozinha, deparou-se com sua mãe vestindo um avental azul, lavando a louça debruçada na pia. Entretanto, ele estava tão distante que nem se lembrou de dizer um simples “bom dia”. Ela, percebendo o ar esquisito do filho, tentou uma aproximação:

- Bom dia querido. Você está bem? Quer que eu esquente um pão com queijo?

Ele, distraído e mal-humorado, respondeu apenas com um “não. Vou tomar apenas meia xícara de café”.

Assim o fez. Após servir-se de um gole, voltou ao seu quarto para se trocar e sair. Em seus pensamentos, apenas uma ideia martelava: “Hoje é meu último dia nesse mundo sem sentido”.

No auge dos seus 29 anos, com o retorno de Saturno batendo em sua porta, ainda não conseguira se estabelecer na vida, nem havia ao menos alcançado independência financeira, fazendo-lhe se sentir inseguro e inútil. Como conseguiria construir uma família? Até porque fora deixado por uma namorada sob o pretexto de “você é muito imaturo e não tem metas na vida, como teremos um futuro decente?”.

Não via outra saída. Dirigiu-se a um lugar em que costumava ir, na praia. Ali, ele tinha uma visão perfeita do mar que se estendia à sua frente.

Chegando lá, observava cada movimento das ondas, que se quebravam nas muitas rochas sobre as quais ele estava. O som do vento pairando no local e o sol brilhando sobre tudo, como se risse, sádico, do calor imposto aos seres vivos.

No interior do rapaz, emoções fervilhavam. A sensação de impotência crescia, o ódio pelo caos existente na sociedade e em sua vida, a falta de rumo que só crescia... Fechou os olhos, deprimido, abriu os braços, sentiu a brisa tocar-lhe o rosto e lentamente a vontade de deixar seu corpo curvar para frente e se jogar no mar aumentou... Iria, assim, acabar definitivamente com toda aquela angústia que se estendia dentro de si.

Quando finalmente tomou coragem para deixar de existir, ouviu uma doce voz atrás de si.

- Oi. Posso ficar um pouco aqui com você?

O rapaz ficou sem ação. Como aquela estranha havia interrompido seu momento de redenção? Isso não estava certo.

- Se for por pouco tempo, pode – respondeu seco.

A garota abriu um sorriso entre os lábios, jogou os cacheados cabelos cor de ouro para trás e lhe disse:

- Muito obrigada! Como você se chama?

- Carlos.

- Prazer, eu sou Ellen. Minha mãe diz que escolheu esse nome porque no dia em que nasci o sol brilhava como o de hoje, por isso, ela pensou que seria reluzente como ele – contou a garota com um ar inocente e ao mesmo tempo animado.

Carlos passou a pensar que o nome da garota realmente fazia algum sentido. Desde que ela chegara, ele se sentia menos mal.

- Então, o que faz aqui? Veio admirar o lindo dia como eu? – ela perguntou. – Todos os dias eu costumo vir aqui, brindar o que o universo nos proporciona com essa paisagem encantadora. Nunca te vi por aqui, por isso fiquei curiosa – continuou explicando.

- Eu... estava refletindo sobre a minha vida, em como eu estou a levando – ele respondeu baixinho.

- Entendo. Algumas vezes ficamos reflexivos mesmo, ainda mais quando estamos num momento difícil, não sei se é o seu caso. Espero que tenhas chegado a uma boa conclusão – ela sorriu para ele num olhar meigo.

- Não sei, continuo meio perdido, sem saber qual rumo tomar. Mas agradeço suas palavras.

Ellen, percebendo o ar de tristeza do rapaz, propôs:

- Eu sei qual rumo você deve tomar nesse minuto. Vai tomar um suco de laranja natural comigo. Não aceito um não como resposta!

- Certo, vamos.

Seus problemas agora pareciam menores. A moça parecia ter trazido consigo uma esperança, um raio de sol que lhe faltava naquele momento e que o fez querer ver nascer o dia pelo menos mais uma vez... E assim, rumou à sua verdadeira redenção: a do coração.

Natalí Sorrentino
Enviado por Natalí Sorrentino em 06/08/2015
Reeditado em 23/08/2015
Código do texto: T5337497
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