A Mãe
 
O que eu vou lhes contar é bem clichê. Acontece muito em novelas, grandes atrizes interpretando esses papéis que na vida real são interpretados por mulheres de verdade.

Eu conheço essa mãe. Pequena, magra, preta, sofrida. Costureira. Parece A Mãe de Máximo Gorki mas não é. Essa na qual falo não tem consciência política. Vive como uma flor delicada, cuja vida se esvai com o Sol.
Tinha uma única filha, depositava nela os sonhos de juventude, os anseios de "subir na vida", de "ser gente". A menina era estudiosa e a mãe não poupava esforços para dar-lhe uma boa educação. Trabalhava dia e noite para mantê-la nos melhores colégios.
Quando a filha passou no vestibular foi uma felicidade imensa. Chorou escondida, com cuidado para não manchar com suas lágrimas o tecido fino do rico vestido que estava a fazer. E redobrou o trabalho, mais encomendas, mais clientes, costurava muito bem. E em segredo ia fazendo um lindo vestido verde para si, para usar na noite da formatura da filha. Foram seis anos se alimentando mal, sem ir ao médico, dormindo debruçada sobre a máquina de costura.
Finalmente chegou a grande noite. Alugara a veste talar da filha, dera-lhe brincos de presente imitando brilhantes.
Aquela também seria a sua noite. Tomou um longo banho como não tomara direito durante esses eis anos, depilou as pernas, cortou os cabelos que estavam feios de a molecada chamá-la "cabeça de cupim". Usou sua maquiagem barata, suas jóias falsas. Falo a sério, nenhuma mãe que lá estivesse seria mais bonita que ela. Seus olhos brilhavam como duas estrelas. Ela sorria e a genuinidade daquele sorriso sobrepunha-se à falta de dentes.
Tomou a bolsinha com o dinheiro do ônibus e saiu. Desceu em frente à Reitoria. A filha tinha ido se arrumar em casa de amigas.

Quando se aproximou do portão um segurança interpelou-a perguntando pelo convite. "Convite, que convite?"
Explicou que era a noite de formatura da filha. Ia ser doutora. "Infelizmente não posso deixá-la entrar, senhora. Todos os alunos receberam convites a ser entregues aos familiares. Se a sua não lhe deu um foi porque teve vergonha da mãe que tem, tão pobre e mal-vestida. Aliás eu nem acredito que a senhora seja mesmo a mãe de uma dessas alunas. Não temos pessoas pobres aqui."

Ela engoliu a humilhação e foi para o ponto de ônibus com aquela vergonha revolvendo-lhe o estômago. Todo o trabalho que tivera, por amor à filha, resultara em ingratidão.

Entrou no Serviluz Centro e sumiu no trânsito da capital.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 29/08/2015
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