O ESPETÁCULO DA RUA DOZE

Na rua doze não existe muita coisa. Na verdade, quem por lá passar, encontrará exatamente doze estabelecimentos comerciais. Pois nessa cidade, ficou dito por alguém, em alguma época e depois mais tarde regulamentado por outro alguém, que cada rua deve levar o nome conforme a quantidade de estabelecimentos que existem nela. Obviamente isso causa muitos problemas. Se alguém quer construir uma casa ou um bar, por exemplo, deve solicitar junto a prefeitura a mudança do nome da rua, contanto que não haja uma outra rua com a mesma quantidade de estabelecimentos. Não raro acontece alguns “incêndios acidentais” na cidade.

Na rua doze há um banco, uma loja de sapatos, uma tabacaria, um prédio comercial, uma sorveteria, um estúdio fotográfico, uma floricultura, uma agência de publicidade, um sebo, uma sex shop e dois bares. No momento em que se desenrola este caso, há ainda muita gente trabalhando e perambulando no sol escaldante das duas horas da tarde de um verão intenso. E como se não bastasse, no alto do prédio comercial há alguém que quase sem querer animará a tarde de todos.

De início apenas uma criança viu o sujeito se preparando para pular. O menino apontou pra ele com uma mão, enquanto a outra era segurada pela sua mãe, que o arrastava com pressa para pegar ônibus das duas e meia que levaria mãe e filho para a rua trezentos. Nome bonito, forte, para uma rua não tão grande – quase o mesmo tamanho da rua um -, cheia de casebres grudados. Enfim. O ônibus levaria a mãe e o garoto para esta tal rua que é de tal e tal modo, quase do mesmo tamanho daquela outra, não fosse o tal sujeito lá em cima do prédio. E não que mãe tivesse dado bola para o garoto, mas sim por que agora várias pessoas perceberam o sujeito que, por sua vez, percebeu que não queria ser percebido. Era pra ser discreto. Mas então, por qual motivo escolhera aquele prédio daquela naquele horário? Talvez fosse o momento pra ele perceber que realmente queria ser percebido. Talvez não quisesse nem pular. Tampouco dar um show como acabou acontecendo. Talvez quisesse ser apenas convencido por alguém ou por alguma coisa que a vida ainda valia a pena.

Não foi o caso.

As pessoas corriam pra lá e pra cá tentando arranjar um bom ângulo para assistir ao espetáculo. Chegou jornal, ambulância, bombeiros e vendedores ambulantes de todo tipo. Apostas começaram a ser feitas e a mãe daquele menino já não lembrava mais do ônibus das duas e meia que levariam eles para a rua trezentos. Não lembrava mais nem do filho que, ao lado da mãe, a via – como tantos outros - para que o homem pulasse, pois nisso apostara.

Lá em cima o homem já não sabia mais o que queria. Estar em algum lugar mais baixo? Com certeza. Como não lembrara que tinha medo de altura antes de subir lá? Tinha que ter pensado melhor. Mas como pensar melhor quando o assunto se trata do próprio suicídio? Suicídio? Tinha mesmo subido lá pra se suicidar? Tontura. Vertigem. O sol faz coisas com a cabeça das pessoas? Por que todo mundo gritava? Por que queriam que ele pulasse? Por que não o deixavam em paz? Gente infeliz. Tentou com a mão acalmar os ânimos dos que estavam lá embaixo para que ele pudesse ao menos dar um último discurso. As vozes silenciavam e os olhos, escondidos atrás de óculos escuros, esperavam qualquer coisa do homem. Mas antes que ele dissesse algo, entendeu o que não era pra ser entendido. Não havia nada pra ser dito e não havia mais pernas para recuar. Se deixou cair e o infinito era seu, o infinito era o céu e como era ínfimo o chão para representar algum perigo. Foi lindo. Mas pra quem estava lá embaixo as coisas se sucederam um pouco diferente. O corpo caiu como uma pedra e se espatifou como um ser humano mesmo, sujo por dentro e por fora, do jeito que é.

As apostas foram pagas, alguns depoimentos recolhidos e a multidão começou a dispersar. Foi quando a mulher olhou no relógio e percebeu que ainda dava pra pegar o ônibus das duas e meia. Mas onde estava o garoto? Não demorou pra ele aparecer exibindo, alegremente, fotografias que tirara do morto com seu celular. A mãe o repreendeu e enquanto corriam para pegar o ônibus das duas e meia, ficou pensando o que havia de errado com o garoto.

Lucas Esteves
Enviado por Lucas Esteves em 04/09/2015
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