O homem que morreu de vontade

Meu pai tinha vontade de tudo. Vontade de parar de beber, de parar de fumar, de ser rico, de beijar a Tereza, uma negrinha nossa vizinha que fingia ser a melhor amiga de minha mãe. Pois ela ajudava a cuidar de meu pai.

Certa vez após um flagrante ato de beijo, ela tentou cuidar de mim também para que eu não revelasse o grande segredo. Mas eu tive medo e fugi. Mesmo assim, meu pai me deu uma pipa colorida. Certa vez ele me disse que seu maior sonho era me fazer doutor e me casar com a Ritinha, uma negrinha bonitinha de pele cinza, filha de Tereza a amante de meu pai.

Faziamos o mesmo ano escolar, na mesma sala de aula. Não nos falávamos e raramente nos olhávamos.

Parece que a vontade de beijar a vizinha, meu pai sempre realizou. Mas a vontade de parar de beber ou de fumar era para ele um pouco difícil. Ele sempre dizia que iria apenas tomar mais uma dose e depois pararia. Mas como a primeira dose era o suficiente para fazê-lo não parar de prometer, ele prometia várias vezes ao dia, e várias vezes ao dia tomava a última dose. Com o cigarro fora a mesma coisa, pois era difícil beber e não fumar.

Quanto a vontade de ficar rico era quase impossível, pois sempre que ele fazia uma fezinha na loteria esportiva, esquecia o canhoto no bolso da calça que minha mãe descuidada como sempre, acabava lavando e desintegrando o papelzinho da sorte sem antes conferi-lo. Se alguma vez ele acertou os treze pontos jamais soubemos.

Meu pai morreu aos quarenta anos, com vontade de parar de beber, com vontade de parar de fumar, com vontade de enriquecer e com vontade de dar o último beijo na Tereza, uma negrinha nossa vizinha, que fingia ser a melhor amiga de minha mãe e que se afastou ao vê-lo magro, escarrando sangue, deitado em uma cama sobre um colchão recheado de capim, agonizando e me fazendo prometer realizar sua vontade tornando-me doutor e casando-me com a Ritinha, uma negrinha bonitinha de pele cinza, filha de Tereza ex-amante de meu pai.